sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Brasil real e Brasil da fantasia

Artigo publicado na Carta Capital


Brasil real e Brasil da fantasia

por Mino Carta

Temos dois países, aquele do povo, talvez a caminho do despertar, e aquele dos privilegiados, doutrinados pela mídia

Getulio Vargas disse certa vez, durante o mandato que se encerrou com o suicídio: “Os nossos burgueses não entendem que sou a salvação deles”. Lula, na terça 31, foi mais específico, ao declarar que os ricos ganharam muito dinheiro em seu governo, e que os pobres “é que deveriam estar zangados, porque tiveram menos do que os ricos”. Esta é precisamente uma das razões das críticas de CartaCapital ao ex-metalúrgico presidente.

Lula quem sabe devesse refletir sobre a inutilidade dos favores concedidos aos privilegiados, em um país onde apenas 5% da população ganha mensalmente de 800 reais para cima. E que disputa com Serra Leoa e Nigéria o primeiro lugar na classificação dos recordistas mundiais em má distribuição de renda.

Quem consegue manter um certo achego à razão, talvez devesse refletir também sobre a irredutível vocação medieval dos titulares da nossa burguesia e seus aspirantes, com temperos de fantasia de sabor novelesco, graças à contribuição da mídia nativa.

A pobreza que toma conta da larga maioria da população não aproveita a ninguém, à luz de um raciocínio capitalista e contemporâneo do mundo. “O progresso produz inclusão”, diz o entrevistado desta edição, Paulo Secches, diretor-presidente da TNS InterScience, um classe média que não votou em Lula. Mas o Brasil está muito longe do progresso e sempre a correr o risco da desordem, apesar da notória resignação do seu povo.

O afastamento entre os dois Brasis acentua-se inexoravelmente, separados pelo abismo em que fermentam a miséria, a ignorância, a criminalidade. Difícil, se não impossível, para quem dá atenção aos órgãos midiáticos é perceber o Brasil real.

Em plena crise mundial provocada pelo primeiro choque do petróleo, o ditador de plantão, Ernesto Geisel, definia o País como “uma ilha da prosperidade”. Usava, aliás, uma palavra pronunciada há pouco tempo pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Contemporâneo da ditadura brasileira, um seriado americano encantava as platéias vidiotas, chamava-se A Ilha da Fantasia. Quem sabe fosse a ela que Geisel se referia naquele seu tom impetuoso.

Não excluo que a ilha se parecesse com a de Caras. Inevitável é que exibisse mirabolâncias, fantasmagorias, jogos de pura magia. Os mesmos praticados hoje pela mídia nativa, em benefício dos seus doutrinados, em geral cidadãos bem-postos na vida, ou quase.

No País da Fantasia, por exemplo, Lula é culpado pelo desastre de Congonhas e o Pan foi espetáculo deslumbrante, a mostrar a pujança esportiva do Brasil e a capacidade de organização dos seus promotores. Os índices de crescimento elevam-se e o dólar encolhe diante do avanço avassalador do poderoso real. Waldir Pires foi ministro inepto e Nelson Jobim é o dux, o condottiero da volta por cima.

Para alguém que mantenha os pés sobre a terra, nada disso coincide com a verdade factual. Permito-me citar outros exemplos. A colunista Dora Kramer, lida obviamente com sofreguidão por quem ganhou dinheiro durante o governo do ex-metalúrgico, compara Lula a Luís XIV. Enquanto isso, o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, entrevistado pelo Estadão, avalia que um “setor grande da população, representado especificamente por pessoas de nível de escolaridade mais alto (...) vem sendo tomado por um estado de horror diante do que vê”.

Pois neste nosso infeliz País, as pessoas de nível de escolaridade mais alto são as responsáveis seculares pelo estado de horror que assola o País, grande e periférico, rico pela natureza e paupérrimo pela incompetência, o egoísmo, a sanha predatória da sua elite. E esta figura hoje na turma doutrinada, a repetir as frases feitas, os lugares-comuns, e a se supor cidadã de uma terra de fato inexistente.

Quanto ao nosso Luís XIV, percebo-o muito cordato, muito tolerante, e até menos astuto do que em outros tempos. Na opinião de CartaCapital, a nomeação de Nelson Jobim em lugar de Waldir Pires é erro político, e gostaríamos de saber como foi recebida por Tarso Genro, Ciro Gomes e, salvo melhor juízo, Dilma Rousseff. Sei, ao certo, que os militares e o tucanato gostaram muito.

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