quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Lula na ONU

Leia a íntegra do discurso do presidente Lula na abertura da 62ª Assembléia-Geral das Nações Unidas (ONU):



Cumprimento-o, senhor secretário-geral, por ter sido escolhido para ocupar posição tão relevante no sistema internacional.

Saúdo sua decisão de promover debates de alto nível sobre o gravíssimo problema das mudanças climáticas. É salutar que essa reflexão ocorra no âmbito das Nações Unidas.

Não nos iludamos: se o modelo de desenvolvimento global não for repensado, crescem os riscos de uma catástrofe ambiental e humana sem precedentes.

É preciso reverter essa lógica aparentemente realista e sofisticada, mas na verdade anacrônica, predatória e insensata, da multiplicação do lucro e da riqueza a qualquer preço.

Há preços que a humanidade não pode pagar, sob pena de destruir as fontes materiais e espirituais da existência coletiva, sob pena de destruir-se a si mesma. A perenidade da vida não pode estar à mercê da cobiça irrefletida.

O mundo, porém, não modificará a sua relação irresponsável com a natureza sem modificar a natureza das relações entre o desenvolvimento e a justiça social.
Se queremos salvar o patrimônio comum, impõe-se uma nova e mais equilibrada repartição das riquezas, tanto no interior de cada país como na esfera internacional.

A eqüidade social é a melhor arma contra a degradação do planeta. Cada um de nós deve assumir sua parte nessa tarefa. Mas não é admissível que o ônus maior da imprevidência dos privilegiados recaia sobre os despossuídos da Terra. Os países mais industrializados devem dar o exemplo. É imprescindível que cumpram os compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto.

Isso contudo não basta. Necessitamos de metas mais ambiciosas a partir de 2012. E devemos agir com vigor para que se universalize a adesão ao protocolo. Também os países em desenvolvimento devem participar do combate à mudança do clima. São essenciais estratégicas nacionais claras que impliquem responsabilidade dos governos diante de suas próprias populações.

O Brasil lançará em breve o seu Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climáticas. A Floresta Amazônica é uma das áreas que mais poderão sofrer com o aquecimento do planeta, mas há ameaças em todos os continentes: elas vão do agravamento da desertificação até o desaparecimento de territórios ou mesmo de países inteiros pela elevação do nível do mar.

O Brasil tem feito esforços notáveis para diminuir os efeitos da mudança do clima. Basta dizer que, nos últimos anos, reduzimos a menos da metade o desmatamento da Amazônia. Um resultado como este não é obra do acaso. Até porque o Brasil não abdica, em nenhuma hipótese, de sua soberania e nem de suas responsabilidades sobre a Amazônia.

Os êxitos recentes são fruto da presença cada vez maior e mais efetiva do Estado Brasileiro na região, promovendo o desenvolvimento sustentável --econômico, social, educacional e cultural-- de seus mais de 20 milhões de habitantes.
Estou seguro de que nossa experiência no tema pode ser útil a outros países. O Brasil propôs em Nairobi a adoção de incentivos econômico-financeiros que estimulem a redução do desmatamento em escala global.

Devemos aumentar igualmente a cooperação Sul-Sul, sem prejuízo de adotar modalidades inovadoras de ação conjunta com países desenvolvidos. Assim, daremos sentido concreto ao princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

É muito importante o tratamento político integrado de toda a agenda ambiental. O Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92. Precisamos avaliar o caminho percorrido e estabelecer novas linhas de atuação. Por isso, proponho a realização, em 2012, de uma nova Conferência, que o Brasil se oferece para sediar, a Rio + 20.

Senhoras e Senhores,
Não haverá solução para os terríveis efeitos das mudanças climáticas se a humanidade não for capaz também de mudar seus padrões de produção e consumo. O mundo precisa, urgentemente, de uma nova matriz energética. Os biocombustíveis são vitais para construí-la.
Eles reduzem significativamente as emissões de gases de efeito estufa. No Brasil, com a utilização crescente e cada vez mais eficaz do etanol, evitou-se, nesses 30 últimos anos, a emissão de 644 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

Os biocombustíveis podem ser muito mais do que uma alternativa de energia limpa. O etanol e o biodiesel podem abrir excelentes oportunidades para mais de uma centena de países pobres e em desenvolvimento na América Latina, na Ásia e, sobretudo, na África. Podem propiciar autonomia energética, sem necessidade de grandes investimentos. Podem gerar emprego e renda e favorecer a agricultura familiar. E podem equilibrar a balança comercial, diminuindo as importações e gerando excedentes exportáveis.

A experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de biocombustíveis não afeta a segurança alimentar. A cana de açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índices de produtividade. O problema da fome no planeta não decorre da falta de alimentos, mas da falta de renda que golpeia quase um bilhão de homens, mulheres e crianças. É plenamente possível combinar biocombustíveis, preservação ambiental e produção de alimentos.

No Brasil, daremos à produção de biocombustíveis todas as garantias sociais e ambientais.
Decidimos estabelecer um completo zoneamento agroecológico do país para definir quais áreas agricultáveis podem ser destinadas à produção de biocombustíveis. Os biocombustíveis brasileiros estarão presentes no mercado internacional com um selo que garanta suas qualidades sóciolaborais e ambientais.

O Brasil pretende organizar em 2008 uma conferência internacional sobre biocombustíveis, lançando as bases de uma ampla cooperação mundial no setor. Faço aqui um convite a todos os países para que participem do evento.
A sustentabilidade do desenvolvimento não é apenas uma questão ambiental, é também um desafio social. Estamos construindo um Brasil cada vez menos desigual e mais dinâmico. Nosso país voltou a crescer, gerando empregos e distribuindo renda. As oportunidades agora são para todos.

Ao mesmo tempo em que resgatamos uma dívida social secular, investimos fortemente em educação de qualidade, ciência e tecnologia. Honramos o compromisso do Programa Fome Zero ao erradicar esse tormento da vida de mais de 45 milhões de pessoas. Com dez anos de antecedência, superamos a primeira das Metas do Milênio, reduzindo em mais da metade a pobreza extrema no nosso país.

O combate à fome e à pobreza deve ser preocupação de todos os povos. É inviável uma sociedade global marcada pela crescente disparidade de renda. Não haverá paz duradoura sem a progressiva redução das desigualdades.

Em 2004, lançamos a Ação Global contra a Fome e a Pobreza. Os primeiros resultados são animadores, principalmente a criação da Central Internacional de Compra de Medicamentos.
Meus amigos e minhas amigas,

A Unitaid já conseguiu reduções de até 45% nos preços dos medicamentos contra a Aids, a malária e a tuberculose destinados aos países mais pobres da África. É hora de dar-lhe um novo impulso. Idéias que tanto mobilizaram nossos povos não podem perder-se na inércia burocrática.

Mas a superação definitiva da pobreza exige mais do que solidariedade internacional. Ela passa, necessariamente, por novas relações econômicas que não penalizem os países pobres.

A Rodada de Doha da OMC deve promover um verdadeiro pacto pelo desenvolvimento, aprovando regras justas e equilibradas para o comércio internacional.

São inaceitáveis os exorbitantes subsídios agrícolas, que enriquecem os ricos e empobrecem os mais pobres. É inadmissível um protecionismo que perpetua a dependência e o subdesenvolvimento. O Brasil não poupará esforços para o êxito das negociações, que devem beneficiar sobretudo os países mais pobres.

Senhor Presidente, senhor Secretário-Geral,
A construção de uma nova ordem internacional não é uma figura de retórica, mas um requisito de sensatez. O Brasil orgulha-se da contribuição que tem dado para a integração Sul-Americana, sobretudo no Mercosul.

Temos atuado para aproximar povos e regiões, impulsionando o diálogo político e o intercâmbio econômico com os países árabes, africanos e asiáticos, sem abdicar de nossos parceiros tradicionais.

Criamos - Brasil, África do Sul e Índia - um foro inovador de diálogo e ação conjunta, o IBAS. Temos realizado inclusive projetos concretos de cooperação em diversos países, a exemplo do que fizemos no Haiti e em Guiné-Bissau.

Todos concordamos ser necessária uma maior participação dos países em desenvolvimento nos grandes foros de decisão internacional, em particular o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É hora de passar das intenções à ação.

Notamos, com muito agrado, as recentes propostas do presidente Sarkozy, de reformar o Conselho de Segurança, com a inclusão de países em desenvolvimento. Igualmente necessária é a reestruturação do processo decisório dos organismos financeiros internacionais.

Senhor Presidente,
As Nações Unidas são o melhor instrumento para enfrentar os desafios do mundo de hoje. É no exercício da diplomacia multilateral que encontramos os meios de promover a paz e o desenvolvimento.

A participação do Brasil, em conjunto com outros países da América Latina e do Caribe, na Missão de Estabilização no Haiti simboliza nosso empenho de fortalecer o multilateralismo. No Haiti, estamos mostrando que a paz e a estabilidade se constróem com a democracia e o desenvolvimento social.

Senhoras e Senhores,
Ao entrar neste prédio, os delegados podem ver uma obra de arte presenteada pelo Brasil às Nações Unidas há 50 anos. Trata-se dos murais "Guerra" e "Paz", pintados pelo grande artista brasileiro Cândido Portinari. O sofrimento expresso no mural, que retrata a guerra, nos remete à alta responsabilidade das Nações Unidas de afastar o risco de conflitos armados.

O segundo mural revela que a paz vai muito além da ausência da guerra. Pressupõe bem-estar, saúde e um convívio harmonioso com a natureza. Pressupõe justiça social, liberdade e superação dos flagelos da fome e da pobreza.

Não é por acaso que o mural "Guerra" está colocado de frente para quem chega, e o mural "Paz", para quem sai. A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar aflições em esperança, guerra em paz, é a essência da missão das Nações Unidas.

O Brasil continuará a trabalhar para que essa expectativa tão elevada se torne definitivamente realidade.

Muito obrigado.





E aí, o que você pensa?

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