quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CIVILIDADE x ÓDIO


O interessante nesse episodio da USP foi a demonstração de rancor, ódio, incoerência, estupidez, ignorância, grosseria e falta de civilidade por parte daqueles que supostamente são inteligentes e bem informados.

Por Raoni Gama*

A discordância faz parte de qualquer democracia que se preze, mas o que torna o jogo do debate complicado é a falta de civilidade por parte dos jogadores. Veja bem, quem simplesmente não vê problema em chamar o outrem de “bandido”, “vagabundo”, “maconheiro”, entre outras palavras de baixo calão, é realmente um debatedor complicado, pois demonstra uma falta de boa educação e senso de humanidade.

É constrangedor para quem tem o mínimo de bom senso e boa educação debater nesse nível. Boas maneiras devem prevalecer e essa forma de (des)qualificar quem não pensa ou age como a pessoa que vai contra a idéias, pois  as divergência (e também o embate político) devem se limitar ao campo das ideias. Esta é a regra número um da etiqueta de qualquer debate. Afinal, respeito é sempre bom e nunca é demais.


Pode aparecer uma pergunta agora: Mas qual o problema de chamá-los disso? Não são mesmo?  Bom, além do que escrevi acima, existe também o fato que essas palavras carregam todo um preconceito, e preconceitos nunca são bons. Além do que, nenhum senso crítico deve ser baseado na idéia preconcebida de que alguém é algo por simplesmente ser/ter/reivindicar alguma coisa diferente do que você é/tem/reivindica. Exemplifico, alguém sinceramente acha que “vagabundos que não estudam” conseguem entrar na melhor universidade do Brasil que até bem pouco tempo atrás mantinha o vestibular mais concorrido do Brasil?

É fato que a grande mídia do Brasil mostrou força na formação da opinião de uma parte dos brasileiros. Ela conseguiu virar uma parcela de população contra os estudantes da USP. Até ai não existe problema, faz parte da democracia ser convencido ou não por uma opinião. O problema se encontra quando, com o passar dos anos de criticas de baixo nível e agressivas, a mídia conseguiu reproduzir vários indivíduos no qual não bastar criticar, é necessário rebaixar e até agredir (espero que somente) verbalmente, ou seja, são tão violentos e agressivos quanto a própria mídia.

Um rápido apanhado na hastag #USP no twitter para simples exemplificação (nota: omiti os nomes propositadamente):

1.Sou favorável a libertar a galera da #USP, deixar eles voltarem pra reitoria como disseram q fariam, e mandar o choque. Aí vai ser show :)

2. Liquidação de fianças: papai agora paga 545 pra levar seu leninzinho pra casa.

3. Sou a favor da retirada da #PM da #USP..................Tem que colocar o #BOPE!!!!!!!!!!!!!

4. #USP Estudantes uspianos arrumem outra causa! A atual é ridícula, parece mais birra de criança! Que tal a bandeira anti-corrupção, heim?

5. Desabafo: Vai se foder essa mulecada da #USP. Se eu fosse pai de uma dessas crianças "revoltadas" cortava a verba na hora.

6. Pau na moleira desses safados da #USP Bando de mauricinhos que querem manter o luxo com o lixo das drogas

7. Minha sugestão pra acabar com a palhaçada na #USP: expulsa esses maconheiros e deem oportunidade a quem quer estudar de verdade ;)

E para piorar, um grande blogueiro que tornou marca registrada a agressão nas palavras, afirma: “(...) Vagabundos na USP são iguais a traficantes do Rio”.

Em uma análise, nem tão profunda assim, nota-se uma dose farta de incoerência nos discursos: São contra violência, mas acha que PM tem sentar o “pau” nos estudantes (vagabundos, bandidos, arruaceiros, entre outros); acham o povo brasileiro acomodado, mas chamam de “vagabundo” todos aqueles que se manifestam; protestar pacificamente sim, mas pela lógica deles até o Gandhi seria taxado de vagabundo.

Resumido o pensamento dessas pessoas em uma palavra: Autoritarismo. Por mais que se fale da democracia, para muitos, ela está mais nas palavras do que nas atitudes e, querendo ou não, isso reflete nas instituições e no debate.

Voltado ao episódio da USP, ele mostrou ao Brasil um ranço autoritário por parte de indivíduos na internet (por seu modo de debater e criticar) e das instituições (pelo modo que “resolveram o problema”), completamente tomadas por paradigmas não condizentes com um estado democrático de direito. Afinal, em uma democracia digna desse nome, o cumprimento de uma ordem judicial não significa o mesmo que repressão policial. E repressão policial não significa “baixar a porrada” em quem quer que seja.  Existem, e deveriam ser colocados em prática, outros dispositivos que evitam a repressão violenta policial.

Na desocupação do prédio (ainda bem que o pior não aconteceu) com a presença de 400 policiais da tropa de choque da PM paulista pra retirar 70 estudantes, traz a tona uma pergunta que deixo no ar: Por que tantos para eliminar tão poucos e tão rapidamente?

Como diz um bom amigo meu: A parte boa é que apenas 70 pessoas conseguiram tirar do porão o debate sobre os direitos individuais.


*É advogado

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