terça-feira, 28 de agosto de 2007

O abandono da política

O abandono da política

O mundo do coletivo está em declínio. Nós seguimos à deriva do abandono da política. Mas há arquipélagos de resistência nesse oceano de devastação e poluição abstencionista.

“Eu detesto política” – quem nunca escutou essa frase que atire a primeira pedra. É, existem pessoas que pensam assim. Pode não ser o meu caso – ao contrário! Tampouco, certamente, o seu, prezado leitor. Mas essa é uma frase assim mesmo, curta e grossa e, sem dúvida, ouve-se bastante por aí – curta e grossa, principalmente, se aquilatamos a pobreza de sentido de tudo que lhe é subjacente e imanente. E tem gente que fala isso até com certa empáfia/jactância, como se estivesse falando a coisa mais sensata e inteligente do mundo.Muitas pessoas falam sem pensar e algumas agem sem pensar – outras (muitas) até vivem sem exercer essa atividade tão singular e própria aos de nossa espécie. Se refletissem perceberiam que, como já dizia Bertolt Brecht no poema “*O* *Analfabeto Político*” [aliás, nunca é demais recomendar a leitura desse autor: leiam-no, assistam suas peças, sempre que possível], o analfabeto político é aquele que “não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos./Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,/ do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio/dependem de decisões políticas. (...) que da sua ignorância política nasce a prostituta/ o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista”.Abandonamos a política. De modo geral, muito pouco, quase nada, lemos, refletimos, falamos ou debatemos sobre questões importantes da política nacional. Muito pouco, quase nada, participamos da pulsante vida política do país. Do resto do mundo então, nem pensar. Talvez estejamos demasiado aferrados ao nosso mundo – num âmbito, por assim dizer... umbilical. E o resto ...Não participamos das assembléias em nossos sindicatos e demais associações de classe – muitas delas, sejamos honestos, muito mal conduzidas e, muitas vezes, palco de disputas comezinhas de correntes políticas (por vezes dentro de um mesmo partido, numa espécie de autofagia ou de briga entre irmãos). Mas isso não pode servir como pretexto/desculpa para não freqüentarmos o nosso sindicato e procurarmos desenvolver em nós a solidariedade e o espírito de corpo (não confundir com espírito de porco ou com o corporativismo mesquinho).Num âmbito mais “doméstico”, não participamos sequer das reuniões de condomínio em nosso prédio – nas quais, muitas vezes, decidem-se coisas que vão influir diretamente em nosso cotidiano ou mexer com as nossas finanças ou patrimônio. Nós não queremos nem saber dessa “chatice” toda. Não é mesmo?Praticamente já não saímos às ruas a empunhar bandeiras – sejam de partidos ou de ideologias. Participamos muito pouco de fóruns de debates – observe que nas seções de cartas/comentários em sites e por toda a blogosfera predomina, muitas vezes, o pensamento conservador, de direita. A direita começa a perder a vergonha, a colocar as “manguinhas” de fora, e já principia, despudoradamente, a ocupar largos espaços.Sim, votamos. Decerto. Porém, exercemos de forma limitada e precária nossa cidadania. Pois, na maioria das vezes, no dia da eleição, saímos de casa rumo a sessão eleitoral sem sequer saber em que deputado ou vereador votar. E, após votar, passado poucos meses do pleito, sequer nos lembramos em quem votamos e, quando lembramos, não nos preocupamos em acompanhar o desempenho do parlamentar nas câmaras municipais, nas Assembléias Legislativas ou no Congresso Nacional.Ou seja, abandonamos a política. Entregamos o espaço do exercício da política àqueles com “senso de oportunidade”, àqueles que tiverem tempo e disposição (na verdade, interesse) em ocupá-lo. Daí que, diante do abandono da política, ela tenha sido de imediato acolhida e “instrumentalizada” por alguns oportunistas e salafrários que a utilizam, não para seu fim primeiro (o debate pluralista de idéias, a defesa de interesses da coletividade etc), mas em benefício próprio e de seus interesses ou de seu grupo. São pessoas, não exatamente vocacionadas para o nobre ofício da Política; são arrivistas espertalhões que dotados de senso de oportunidade, uma boa lábia e muita cara de pau, ocupam com impressionante desenvoltura esse vácuo por nós deixado.Como uma deletéria conseqüência disso, os partidos praticamente não têm inserção na sociedade e a sociedade não se sente representada pelos políticos, ou pelos partidos. Culpa dos políticos, dos partidos? Muitos dos sindicatos funcionam como meros cartórios para expedição de documentos e homologações, e perdem pouco a pouco a necessária representatividade que os legitimam. Culpa dos sindicatos, dos sindicalistas?Portanto, se abandonamos o terreno da Política, depois não podemos reclamar que ali, naquele terreno (hoje “baldio”), só nasceu mato e erva daninha – ou seja, que no Parlamento só tem lobista, beócio, picareta e aproveitador, e que nos sindicatos só tem pelegos e gente despreparada.Assim, não podemos reclamar da eleição (com estrondosa votação, inclusive) de parlamentares como Enéas (que Deus o tenha), Clodovil e Frank Aguiar – para citar os mais “inofensivos”, mas não menos emblemáticos da falência e indigência atual do nosso sistema político. Sem falar no que “rouba, mas faz”; nos verdugos da ditadura, nos capitães de chacinas, no da serra elétrica (já defenestrado), nos mercadores de mandatos e legendas, nos “sanguessugas”, nos “anões” do orçamento (e da moral), e por aí vai.É de fato surpreendente, um milagre até, que nesse ambiente de abandono sobrevivam, no Congresso, pessoas devotadas e ilibadas como Aldo Rebelo e Inácio Arruda (PC do B), José Eduardo Cardoso, Maurício Rands e Ideli Salvatti (PT), Ana Arraes e Ciro Gomes (PSB) Pedro Simon (PMDB), Jefferson Peres e Cristovam Buarque (PDT), dentre outros poucos. Sim, nem só de urtigas é feita essa nossa “lavoura” já tão devastada; também existem flores, que insistem em brotar em meio ao lodo – isso, claro, para não dizer que não falei de flores.É preciso que retomemos o interesse pelo exercício da política, que lutemos pela dignidade na política [ler Hannah Arendt, em “A Dignidade da Política”]. É necessário prestigiar os bons parlamentares e os homens públicos dedicados, e incentivar vocações autênticas, aquelas balizadas pelo verdadeiro espírito republicano de servir ao povo e à coisa pública. Antes que seja tarde demais. Antes que o exercício da política seja de uma vez dominado pelos que defendem apenas inconfessáveis interesses privados – quando não, pura e simplesmente, criminosos.

Lula Miranda é poeta, cronista e colabora semanalmente com a Carta Maior. É Secretário de Formação para a Cidadania do Sindicato de Trabalhadores em Editoras de Livros de São Paulo.

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