sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Entrevista de Lula à Record News

Na inauguração na Record News ontem à noite, o presidente Lula concedeu uma entrevista. Mandou recado à Globo em seu discurso e na entrevista falou de diversos temas, entre eles a relação com Chávez, Bush e FHC.

Tá aí a íntegra da entrevista...


Entrevista concedida pelo presidente Lula à Record News, no dia 27 de setembro de 2007.

Record News - A Record News recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a primeira entrevista do telejornal Record News Brasil. Comigo estão os jornalistas Eduardo Ribeiro e Cristina Lemos. Boa noite, Presidente, obrigado por atender ao nosso convite.

Lula - Boa noite.

Record News - A minha primeira pergunta é sobre a relação do governo com o Congresso. O PMDB, seu partido mais poderoso e aliado, acaba de derrubar a medida provisória que criou a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo. Isso foi uma surpresa, Presidente?

Lula - Olha, de vez em quando as pessoas colocam como briga e como divergência uma derrota no Senado. É importante lembrar que no mesmo dia nós derrubamos todas as emendas contra a CPMF, dentro da Câmara dos Deputados. E no mesmo Senado foram votadas quatro medidas provisórias de interesse do governo.

Ora, se nós concordamos e gostamos do Senado quando ele vota favorável a nós, nós temos que entender como parte da convivência democrática se ele votar contra alguma coisa que nós mandamos. Eu não tomei nenhuma atitude, não conversei com nenhum senador, conversei apenas com o líder do governo. Eu viajo amanhã para o Rio de Janeiro e segunda-feira, também, para o Rio de Janeiro, e na terça-feira eu vou tratar de conversar com os líderes para encontrar uma solução.

O dado concreto é que quando eu resolvi criar a Secretaria Especial de Longo Prazo, no que eu estava pensando? Nós queremos construir um projeto para o Brasil, para deixar o Brasil preparado para quando completar 200 anos de independência, em 2022. E nós queremos trabalhar agora porque, na medida em que o projeto fique pronto, você vai começar a executar as políticas públicas que te permitirão construir o Brasil em que você imagina que os nossos netos vão viver daqui a alguns anos.

E nós vamos criar o Ministério, ou seja, nós vamos fazer e tenho certeza de que o Senado, se teve divergência, nós vamos encontrar um jeito de estabelecer a convergência e aprovar um instrumento que garanta o Ministério.

Record News - Presidente, eu entrevistei, recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma entrevista que, inclusive, vai ao ar nos próximos dias, aqui na Record News, e ele se mostrou realmente preocupado com uma indiferença sua em relação a ele. Ele chegou a dizer, na entrevista, o seguinte, Presidente: “O presidente Lula não me convida nem para um cafezinho. E olha que o presidente Lula é mais próximo de mim do que eu era do Sarney ou do Itamar Franco, porque o presidente Lula ficou na minha casa de praia, na época que eu tinha”. E aí, Presidente, esse cafezinho vai sair?

Lula - Veja, primeiro, eu não confundo a minha relação de amizade com a minha relação política. Você, muitas vezes, vai perceber que pode ter uma pessoa com quem eu tenha rompido a amizade pessoal, mas continuo com a relação política, ou uma pessoa com quem eu tenha uma grande amizade pessoal e que não tenho relação política.

Agora, no caso do presidente Fernando Henrique Cardoso, nós somos amigos desde 1978. Não foi ele que me procurou para ajudá-lo, fui eu que o procurei para apoiá-lo quando ele foi candidato a senador, em 1978. Ora, isso perdurou até ele deixar a Presidência da República e não se comportar adequadamente, como um ex-presidente da República se comporta.

Eu lembro que em janeiro de 2003 eu fui a Davos e encontrei com o presidente Clinton, e na conversa com o Clinton eu perguntava: “presidente, qual é a posição que os partidos democratas têm com relação ao comportamento do Bush na guerra do Iraque?”. E o Clinton falou assim para mim: “Presidente Lula, eu vou lhe dizer uma coisa: nos Estados Unidos, os ex-presidentes não dão palpite sobre as tomadas de decisões do atual presidente”.

Mas o que aconteceu?

O que aconteceu é que o presidente Fernando Henrique Cardoso não soube se comportar como ex-presidente da República, deu palpite o tempo inteiro, e não se conformou, em nenhum momento, de que nós fizemos, no governo, o que ele não quis fazer. E talvez não tenha feito, não por incapacidade, porque ele é intelectualmente muito preparado. Talvez não tenha feito porque a conjuntura política não permitiu, porque não soube aproveitar as oportunidades.

Vocês sabem que, para chegar a viver o momento auspicioso que o Brasil está vivendo hoje, nós cortamos na própria carne, em 2003. Porque o ajuste que nós fizemos em 2003 só pôde ser feito porque eu tinha capital político e resolvi investir o capital político para, num futuro próximo, melhorar a vida do povo brasileiro, e é isso que está acontecendo hoje.

Record News - Presidente, aproveitando, esses tantos palpites que o ex-presidente Fernando Henrique dá, esse comportamento dele de alguma maneira inviabiliza uma futura, uma possível aproximação entre PT e PSDB, que acabou frustrada no passado? Isso está descartado no horizonte de médio prazo, curto prazo, como é que o senhor vê?

Eu emendo, inclusive, porque o ex-presidente FHC chegou a dizer que o senhor perdeu um momento histórico, uma chance histórica, ao ganhar as eleições, de chamar o PSDB para falar: “o que que nós podemos fazer aqui”. Não para governar, mas para...

Lula - Por que ele não reconhece que perdeu, quando ele ganhou, que deveria ter chamado o PT? O dado concreto é que em política a gente nunca pode dizer “isso não vai acontecer”. Na política, você trabalha em função dos momentos, das necessidades políticas, das circunstâncias. Nada impede que, em algum momento, o PT e o PSDB possam estar juntos em função de um assunto importante para o Brasil. Eu, por exemplo, gostaria que o PSDB estivesse junto comigo na questão da reforma política. É urgente ter uma reforma política neste País. Todo mundo sabe que não pode continuar do jeito que está. É preciso que os partidos tenham cara, é preciso que os partidos sejam fortalecidos, é preciso que as regras eleitorais sejam bastante visíveis para a sociedade. E por que não fazem? Por que essa tentativa de chantagem, agora, com a questão da CPMF? Todo mundo sabe que o Brasil não pode prescindir de 40 bilhões de reais. Qualquer ser humano minimamente inteligente sabe que não pode prescindir. Ora, se querem fazer uma proposta para acabar com isso, vamos estabelecer um prazo em que você prepare o Orçamento Geral da União para conviver sem a CPMF. Então, uma coisa é você ser um cientista político e teorizar sobre a política, outra coisa é você tentar exercitar, na prática, essa política, coisa que o presidente Fernando Henrique Cardoso dá muito conselho para os outros fazerem, mas não fez quando estava na Presidência.

Record News - Pelo que eu entendi, o senhor não descartou?

Lula - Eu não descarto nada. Em política, eu não descarto nada, até porque eu sou um democrático e, como democrático, eu sou um homem que gosta de conversar. Acredito que a democracia, a riqueza dela, da convivência política na adversidade, é uma coisa fantástica, e eu não tenho constrangimento de conversar com alguém do PSDB. Eu sou amigo do Serra, sou amigo do Aécio – certamente espero que eles sejam meus amigos também –, sou amigo do Cássio Lima, sou amigo do Fernando Henrique Cardoso. Ora, mas se nós estamos que nem dois jogadores de futebol, somos amigos, somos até irmãos e estamos jogando em times diferentes, mas vem botinada por aí, então, o que nós precisamos é ter paciência na hora de uma falta mais grave. Eu estou tranqüilo e o Fernando Henrique Cardoso deveria estar feliz. Se tem um homem que deveria estar feliz, neste momento, é ele, porque eu consegui fazer o Brasil a que ele aspirou e não conseguiu.

Record News - Presidente, relações internacionais. O senhor é amigo do presidente americano, George Bush, e do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Chávez e Bush são inimigos. Afinal, quem é mocinho e quem é bandido nessa história?

Lula - Eu acho que nessa questão de política internacional, eu já pude aprender nesses quatro anos e meio muita coisa, muita. Eu acho que o presidente Bush estabeleceu uma parceria, com o Brasil, extraordinária, a nossa relação é realmente uma relação, eu diria, muito boa, e acho que a nossa relação com o presidente Chávez também é muito boa. Ora, o que importa para o Brasil é ter uma boa relação com os Estados Unidos, porque é um parceiro importante, é ter uma relação com a Venezuela, porque a Venezuela também é importante. O Brasil tem 4 bilhões de dólares em investimentos na Venezuela. O Brasil tem uma balança comercial com um superávit comercial de 3 bilhões e meio de dólares. Nós queremos ajudar a Venezuela a se industrializar também, porque a nós interessa que todos os parceiros estejam bem, nós queremos trazer a Venezuela para participar do Mercosul.

Tem uma divergência histórica entre a Venezuela e os Estados Unidos, porque o Chávez acha que foi o presidente Bush que encomendou o golpe contra ele e ninguém tira isso da cabeça dele. Agora, veja o paradoxo da divergência verbal: os Estados Unidos são o maior comprador de petróleo da Venezuela, e a Venezuela vende petróleo para os Estados Unidos mais barato do que vende para outros países. Para cada barril de petróleo, eles têm dois dólares de desconto. Então, de vez em quando eu falo para o Chávez e falo para o Bush: “se vocês são inimigos mesmo, por que é que os Estados Unidos não param de comprar o petróleo teu, ou por que você não pára de vender para eles?” Porque no fundo, no fundo, tem uma briga que tem uma parte de retórica, na verdade, e tem uma parte que é divergência política, divergência de concepção do mundo, divergência que é um pouco até latino-americana, porque o imperialismo se envolve demais na política interna.

Eu tenho dito ao presidente Bush, e gravei um programa de televisão nos Estados Unidos, dizendo exatamente isso: os Estados Unidos precisam fazer uma política pró-ativa para a América Latina, os Estados Unidos precisam entender que acabou a Guerra Fria, acabou aquela história de quem era comunista ou não era comunista. Hoje, todos os países querem se desenvolver, crescer e gerar empregos, e os Estados Unidos podem ajudar. Eu tenho dito ao Bush e dito a todo governo americano que está na hora deles apresentarem uma política sadia e objetiva para a América Latina.

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