terça-feira, 13 de novembro de 2007

Marilena Chauí e Emir Sader falam sobre a mídia brasileira

Marilena Chauí e Emir Sader falam sobre a mídia brasileira. Matéria publicada no site Agência Carta Maior


"Mídia sufoca pluralidade e suprime pensamento crítico"



Ao se autoproclamar formadora e porta-voz definitiva da "opinião pública", a mídia brasileira sufoca a pluralidade de visões e, na mão de poucos grupos familiares e políticos, suprime o pensamento crítico do debate nacional, avaliam Emir Sader e Marilena Chauí.

Verena Glass


SALVADOR - Um dos casos mais recentes e emblemáticos de um certo desvario reinante na imprensa brasileira foi, segundo o sociólogo Emir Sader, a afirmação de um graduado jornalista sobre os resultados das eleições presidenciais de 2006: o povo, ao reeleger Lula, teria contrariado a opinião pública.

Participante, junto com a filósofa Marilena Chauí e a jornalista Tereza Cruvinel (TV Brasil) do debate Mídia e Democracia no Brasil, atividade do Fórum Internacional Mídia, Poder e Democracia, que acontece em Salvador, BA, entre os dias 12 e 14 de novembro, Sader destrinchou as estratégias utilizadas pela mídia para impor à população um papel de agente passivo na construção social, política e econômica do país e no processo de supressão progressiva da democracia.

Citando os resultados de uma pesquisa recente do jornal Folha de São Paulo, que constatou que seus leitores são, em absoluta maioria, integrantes das classes A e B, com grande poder aquisitivo e cultura de consumo, Sader destacou duas questões importantes: por um lado, o jornal resume seu universo editorial em ser pautado e pautar a "opinião pública" de uma determinada classe, buscando ser ao mesmo tempo construtor e filtro do consenso e definindo "o quê, quando e sobre o quê se fala?

Por outro lado, o liberalismo escamoteado de "liberdades" reduziu os receptores das informações a consumidores, de olho nas possibilidades de financiamento da industria de bens de consumo. Mais do que uma imprensa privada, a mídia é mercantilizada, o que fragiliza a democracia a partir do momento em que forma e conteúdo das informações têm origem e direcionamento pré-estabelecidos pelo mercado.

Um problema maior, neste aspecto da supressão da democracia, está, de acordo com Sader, na esfera do debate ou disputa de idéias. "Segundo o pensador inglês Perry Anderson, quando a esquerda chegou ao governo, tinha perdido o debate das idéias. Consultado, normalmente o povo é favorável a idéias progressistas; mas não é consultado". A construção da opinião pública não se dá, assim, a partir do posicionamento da população, mas a partir das demandas do mercado, avalia Sader.

Na mesma direção, a filósofa Marilena Chauí aponta um fenômeno cada vez mais comum na mídia: a relevância dada a preferências pessoais (que música gosta, que filme viu, que perfume usa, que viagem fez) em detrimento da colocação de idéias e reflexões quando se dá espaço ao "debate público". Assim, a real opinião pública dá lugar à sondagem de opinião, no sentido em que não se procura a expressão pública nacional, refletida e pensada, mas se aposta nas "predileções".

O papel de refletir e pensar é usurpado pelos "formadores de opinião" - analistas, acadêmicos, artistas, jornalistas. O jornalismo se torna o detentor das plausibilidades, e os intelectuais, o operariado do capital. O especialista é aquele que ensina a viver, a decorar a casa, a cozinhar, a fazer sexo, a educar, o que faz do comunicador o formador final da opinião pública.

O papel do poder público
Segundo Emir Sader, salvaguardar ou reconduzir a democracia na imprensa passa a ser um papel do poder público, a partir da concepção de que é o mais apto a desmercantilizar os processos de comunicação. Neste sentido, desmercantilizar significa democratizar, defende Sader.

Este seria um dos principais desafios dos governos de esquerda: a construção de canais públicos onde a diversidade tem espaço obrigatório, e onde a mídia deixaria de ser a intermediária entre o governo e a opinião pública. Para tanto, porém, é urgente que verbas públicas de publicidade, principalmente das grandes estatais - no fundo nada mais do que dinheiro da população -, deixem de ser canalizadas para sustentar os grandes impérios midiáticos.

"Tem de haver o fortalecimento dos canais e mídias alternativas, como Carta Capital, Caros Amigos, Carta Maior, Le Monde Diplomatique -, expressões da diversidade; a batalha das idéias é decisiva para o futuro do Brasil. São as idéias que ficam, que dão ao povo consciência de si mesmo?, conclui Sader.

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