sábado, 16 de fevereiro de 2008

Cícero Péricles: "Alagoas é a Suécia ensolarada..."

Essa é pra quem chama o Bolsa Família de "bolsa esmola"...

O professor de Economia da UFAL, Cícero Péricles, deu uma entrevista ao jornalista Paulo Henrique Amorim em seu site o Conversa Afiada (veja aqui) sobre os impactos do programa aqui em Alagoas.

Abaixo a íntegra da entrevista:


Paulo Henrique Amorim – Eu vou conversar agora com o professor de economia da Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles de Carvalho que tem feito estudos sobre o impacto do Bolsa Família, professor Carvalho, o senhor vai bem?

Cícero Péricles de Carvalho – Bem, Paulo. Alegre por ouvir a sua voz e sua animação e essa irreverência permanente, me diga...

Paulo Henrique Amorim – A animação é com as descobertas que o senhor fez que resultaram em publicações da imprensa brasileira e até na renomada e respeitada revista inglesa The Economist, onde o senhor é citado nominalmente como se Alagoas tivesse se transformado numa Suécia ensolarada (risos).

Cícero Péricles de Carvalho – Que maravilha! (risos)

Paulo Henrique Amorim – Além de professor de economia o senhor é um poeta (risos). Professor, me diga uma coisa, as informações que eu tenho aqui mostram que a metade das famílias em Alagoas integram o Bolsa Família. Eu lhe pergunto, quais são os principais impactos, a principal repercussão desse fato na economia e no ambiente social de Alagoas, o que diria o senhor?

Cícero Péricles de Carvalho – Olha, veja bem, como são 350 mil famílias, é o maior número proporcional do Brasil de atendimento do Bolsa Família em relação ao total da população, é evidente que o impacto em Alagoas relativamente é maior que nos demais estados, inclusive nos estados nordestinos, Paulo. O principal impacto é no consumo direto, a demanda reprimida por alimentos, roupas, remédios ela é, de alguma forma, parcialmente atendida pelos recursos do Bolsa Família. É muito baixa a média de pagamento por família, são R$ 76, é muito baixa ainda. No entanto, dado ao nível de pobreza generalizado da população alagoana, e nordestina também, é evidente que um programa como esse tem um aspecto extremamente positivo de que libera recursos de forma imediata em forma de dinheiro e não em forma de outro serviço, para que a população possa ir ao mercadinho, à feira popular, ou seja, aos canais de comercialização, e adquirir os bens que sonhavam há décadas. Então, a explosão do consumo é o primeiro, e mais importante, dos efeitos do Bolsa Família.

Paulo Henrique Amorim – Mas você pode falar, com R$ 76 reais por mês, o senhor pode falar numa explosão de consumo? O que é que em números físicos, digamos assim, em que produtos isso tem se verificado.

Cícero Péricles de Carvalho – Sim. Vou explicar a você. Alagoas, você sabe, é o maior produtor do norte e nordeste de cana-de-açúcar do Brasil. A realidade é diferente, o Brasil é um país estranho, grande e com regiões muito diferenciadas. Uma tonelada de cana cortada paga a um trabalhador, Paulo, R$ 3. Está ouvindo não é...? Não é uma cana, é uma tonelada de cana, R$ 3. E nós produzimos 25 milhões de toneladas de cana por ano. Isso quer dizer que para cortar toda a cana alagoana, o patronato paga R$ 75 milhões. R$ 75 milhões é todo o dinheiro colocado na renda da sociedade para o consumo, naturalmente, em função do corte de cana. O Bolsa Família, Paulo, representa R$ 300 milhões por ano. Ou seja, é quatro vezes mais importante do que toda a renda gerada no principal setor agrícola local. Você está vendo a diferença? E isso também é o mesmo valor que paga em Pernambuco, na Paraíba, ou seja, não existe nenhum elemento dinâmico da economia que joga tanta renda de forma imediata, e as contrapartidas são mínimas, é colocar a criança na escola, ou seja, as chamadas condicionalidades do Bolsa Família são muito poucas em função do imediatismo da população. Então, o volume é muito grande, R$ 300 milhões para uma economia periférica, a população que é atendida tem um nível de consumo, um padrão de consumo completamente diferente da classe média, ela desconhece esses elementos de supermercado, é o consumo básico de alimentos, é a roupa singela, é o remédio que estava com medida de urgência, ou seja, esse consumo de imediato está se realizando. Tanto que o IBGE tem uma pesquisa extraordinária chamada Pesquisa Mensal de Comércio, que é feita regularmente, e Alagoas tem um dado inusitado, há 46 meses, desde março de 2004, que Alagoas bate recordes sobre recordes, mas veja só, são recordes sobre o seu próprio consumo, mas também o dobro da média nacional e não tem explicação econômica para isso.

Paulo Henrique Amorim – Isso é impressionante.

Cícero Péricles de Carvalho – E o nordeste todos os estados nordestinos, se você acionar lá na internet o IBGE, Pesquisa Mensal do Comércio, vai tomar um choque porque Alagoas não tem nenhum investimento, nenhuma dinâmica econômica chinesa, como se chama hoje, para explicar o consumo seqüenciado, 46 meses é uma série histórica exagerada. Ainda que seja a Suécia com sol (risos).

Paulo Henrique Amorim – Mas isso é positivo para os alagoanos.

Cícero Péricles de Carvalho – Quando eu falei Suécia com sol, eu me referi para o John Prideaux, o inglês, eu disse, metade da população alagoana recebe Bolsa Família e a outra metade recebe também a Previdência Social. Isso é um detalhe importante, são 760 mil famílias, 350 recebem do Bolsa Família e 360 mil da Previdência, então, nem a Suécia tem uma cobertura social tão extraordinária como essa aí. E claro, quando o salário mínimo tem um aumento pequeno, como agora R$ 32, o impacto é muito grande porque a pobreza também é muito grande. É evidente que o impacto do aumento do salário mínimo em São Paulo é um e no nordeste é outro completamente diferente. R$ 32 fazem uma diferença extraordinária que, naturalmente... Eu acredito que não na periferia de São Paulo, mas no Estado de São Paulo num conjunto, e no Rio de Janeiro, o efeito é mínimo.

Paulo Henrique Amorim – E o que é que o senhor pode nos contar sobre o efeito do programa Bolsa Família que já estava sendo precedido do Bolsa Escola, sobre a escolaridade das crianças alagoanas? O que é que já se pode medir aí?

Cícero Péricles de Carvalho – Excepcional, porque o último balanço que foi feito pelo próprio ministério revela que o número de crianças que tem tido acompanhamento é quase de dois terços. Imagina que o número de crianças que estão indo à escola no Ensino Fundamental de Alagoas são quase 800 mil crianças, para uma população... Porque você sabe que a faixa etária da pirâmide nossa, a base é muito larga. Então, 800 mil crianças, num universo de três milhões para você acompanhar, dada à fragilidade social, a ausência de prefeituras eficientes, as secretarias que vivem permanentemente em crise, que você acompanha, nós temos um governo em crise há muitos anos, mesmo assim, dois terços dessas crianças tem tido acompanhamento. E a informação do Ministério da Saúde, e da Secretaria de Saúde também, que a vacinação tem avançado extraordinariamente tanto que a taxa de mortalidade infantil vem diminuindo. É evidente que não é um quadro ideal, mas é um quadro significativo, muito forte.

Paulo Henrique Amorim – E com relação ao aproveitamento das crianças, as crianças estão freqüentando as escolas? As notas das crianças estão melhorando? O que o senhor pode nos contar sobre isso?

Cícero Péricles de Carvalho – Sim, também é positivo. Os balanços que a Secretaria de Estado da Educação e que o Ministério da Educação tem revelado sobre Alagoas são dados progressivos e positivos. Lentos, Paulo, por que? Porque há uma história por trás disso, é uma sociedade historicamente determinada por elementos negativos como latifúndio, escravidão, dependência à monocultura, a urbanização precoce e acelerada. Evidentemente que esses elementos travam muito essa possibilidade, porque você joga 800 mil crianças nas escolas, mas o corpo docente é muito ruim, a infra-estrutura material é muito ruim, o nível de corrupção é muito alto. Então, esses elementos travam a possibilidade de um avanço mais rápido que aproxime Alagoas da média nacional. Mas o fato é que o impacto desse dinheiro junto às famílias mais pobres, que são 53% do total, tem sido algo espetacular. Por que? Porque ele é algo capilarizado, Paulo, ele vai ao lugar mais longe do interior, vai à periferia mais distante da capital e atua. Algo que não se pode fazer apenas com a caridade ou com políticas personalizadas. Então, no conjunto é muito positivo. O inglês que esteve aqui, o correspondente do Economist, ele foi aos bairros periféricos e tanto que escreveu a matéria extremamente positiva e simpática.

Paulo Henrique Amorim – Para uma revista ultra-liberal como a Economist, fazer uma reportagem em defesa de um programa estatal, eu fiquei perplexo quando vi. Em geral eles falam mal... (risos)

Cícero Péricles de Carvalho – Nós fizemos um tour, com ele, concentrado. Ele estava desconfiado, eu acredito, fizemos um tour com ele pela periferia. Primeiro é um choque, um contraste, um inglês olhando aquela miséria inteira, ele deve ter dito, “nossa, mãe! É outro planeta!” Para quem vem da Inglaterra e desce aqui... Apesar de que ele é muito viajado. E os resultados ditos pelas famílias e por professores, diretores de escolas, pequenos empresários. A rede de comércio de Alagoas e do nordeste inteiro, quando eu falo de Alagoas subentenda sempre nordeste inteiro porque é um fenômeno regional, é absolutamente favorável ao Bolsa Família e a Previdência... e ao PETI que é o programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que aqui tem um peso significativo, e ao Fundeb e o SUS, porque a população é muito pobre e, evidentemente, vê nesses elementos uma saída, uma alternativa para romper o quadro de miséria absoluta que existe.

O Conversa Afiada encaminhou a entrevista do professor Cícero Péricles de Carvalho aos senadores Arthur Virgilio (PSDB-AM), João Tenório (PSDB-AL) e ao presidente da Fiesp Paulo Skaf, com as seguintes perguntas:

Exmo. Sr. Senador Arthur Virgílio,

Diante da entrevista do professor Cícero Péricles de Carvalho (anexa), o senhor, como líder da batalha para derrubar a CPMF, considera que foi apropriado retirar recursos que beneficiam metade das famílias do Estado de Alagoas?


Exmo. Sr. Senador João Tenório,

Diante da entrevista do professor Cícero Péricles de Carvalho (anexa), o senhor considera que foi apropriado o seu voto contra a CPMF e, portanto, contra o Bolsa Família, que beneficia metade das famílias do seu Estado?


Sr. presidente da Fiesp, Paulo Skaf,

Diante da entrevista do professor Cícero Péricles de Carvalho (anexa), o senhor se orgulha de ter contribuído para retirar recursos que beneficiam metade das famílias de Alagoas?




Um comentário:

Ivan Marinho disse...

A movimentação provocada na base da economia (principalmente sobre os produtos de consumo mínimo, como alimentos e roupas) advinda do Bolsa Família, e que tem como agente principal os integrantes do dorso das classes D e E, explicaria por si só a importância do programa. O que me assusta é a hipocrisia contida em todas as fundamentações contrárias. Por mais difícil que pareça manobrar as palavras – e os fatos e indicadores – para dar sustentação às forças que lutam contra o progresso social no país, ainda há quem o consiga. O professor Cícero Péricles (com quem tenho o prazer de estudar economia regional e alagoana na UFAL) fundamenta com clareza e objetividade – em outras palavras, só não deixa claro para quem não quer ver – o que todo mundo precisa entender: o Bolsa Família, mais do que uma ajuda financeira, é distribuição de dignidade para a família brasileira. Dignidade que vem em forma de reflexos em indicadores de saúde, de educação, de alimentação, entre tantos outros fatores citados na entrevista. Para finalizar deixo uma pergunta: como pode num país que gasta 2,7 bilhões de reais (0,6% do orçamento da União) com a manutenção do Senado e da Câmara de Deputados – com folhas de funcionários que admitem até empregadas domésticas dos políticos – existir alguém que critique um programa de importância vital como o Bolsa Família?