quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Privatizações: o debate que o PSDB não quer fazer

No último debate e também nos dias que seguiram, a campanha de Serra vem tentando a todo custo evitar discutir um tema essencial para o Brasil, mas que os tucanos, pelo que fizeram no passado – e ainda fazem – teimam em negar que seja relevante: as privatizações. Na prática, tal tema é revelador de como o PSDB atua no comando de um governo.

No último debate e também nos dias que seguiram, a campanha de Serra vem tentando a todo custo evitar discutir um tema essencial para o Brasil, mas que os tucanos, pelo que fizeram no passado – e ainda fazem – teimam em negar que seja relevante: as privatizações. Na prática, tal tema é revelador de como o PSDB atua no comando de um governo e não diz respeito apenas a empresas que foram e outras que ainda podem ser entregues à iniciativa privada, mas sim à própria concepção de Estado que cada um dos projetos que se enfrenta no segundo turno das eleições presidenciais representa.

Tive oportunidade de discutir o assunto ao escrever o livro O governo Lula e o novo papel do Estado Brasileiro (disponível para download aqui), realizado a partir de uma oficina de debates feita em setembro de 2009, além de pesquisas posteriores. A partir daí, é possível demarcar algumas importantes diferenças tomando como base o que Serra disse no debate, tentando igualar a conduta tucana à petista no tocante às privatizações.

Por Glauco Faria*

Segundo o presidenciável do PSDB, o governo Lula não reestatizou nenhuma empresa privatizada e “também privatizou”. Desnecessário dizer como a argumentação é pueril. Primeiro porque reestatizar uma empresa não é uma tarefa trivial, nem do ponto de vista jurídico e pode ser também bem pouco interessante do ponto de vista político-econômico. Quanto a empresas privatizadas, é bom recordar que quando Lula assumiu, muitas estavam já no Plano Nacional de Desestatização (PND), postas nessa condição pelo governo tucano, e a maioria em situação quase falimentar por absoluta falta de investimentos. Algumas puderam ser recuperadas e saíram do PND, outras não.

De uma maneira geral, o programa de privatizações foi paralisado, ainda que concessões de rodovias tenham sido feitas, por exemplo, mas em bases distintas das realizadas na gestão do PSDB. Houve uma reorientação do papel do Estado, com resgate do planejamento de longo prazo e maior participação estatal em todas as áreas de atividades, algo fundamental para se promover o desenvolvimento econômico e social do país. Nas palavras de Marcio Pochmann, presidente do Ipea, o país reverteu o modelo de Estado Predatório que imperou durante o governo FHC (que deu continuidade, na prática, às iniciativas privatistas do governo Collor) e adotou um modelo de atuação estatal social-desenvolvimentista.

E remodelar essa atuação, no que diz respeito às estatais, não foi tarefa fácil. Aqui, destaco um trecho literal do livro que descreve como o governo tucano agia em relação as empresas da sua área:

Para o ex-diretor do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais (DEST), Eduardo Carnos Scaletsky, o governo FHC trabalhava com quatro linhas de ação claras nessa área. A primeira era a fragmentação de atividades das estatais, como no caso da Eletrobrás, com a separação das funções de transmissão, geração e distribuição de energia; no setor das instituições financeiras, a tal fragmentação também foi feita com vistas a reduzir o valor patrimonial e possibilitar ou facilitar a sua venda nos leilões de privatização.

O segundo fator era a descapitalização das empresas, com o governo retirando mais dividendos do que normalmente fazia, combinando-se uma terceira linha de ação, a estagnação dos investimentos. A essas práticas somava-se a redução de pessoal, com um processo de terceirização nítido. Como exemplo, Scaletsky cita o fato de a Caixa Econômica Federal (CEF), em dado momento, ter quase 40 mil terceirizados em um quadro de cerca de 70 mil pessoas. Nesse caso específico, não se terceirizavam os serviços, mas sim o quadro de pessoal, já que não eram realizados concursos públicos e não havia interesse na manutenção dos funcionários.

Ou seja, esse era o legado que o governo Lula teve de lidar quando assumiu o governo em 2003. E foi preciso superar uma cultura neoliberal que mesmo em algumas estatais estava enraizada. Não se percebia que as empresas deveriam também cumprir a função de colaborar com políticas de desenvolvimento para o país, sem prejuízo de seu resultado econômico.

Foi essa mudança promovida que permitiu que as estatais e os bancos públicos, fortalecidos, pudessem ser instrumentos poderosos da política anticíclica do governo na superação da crise econômico-financeira. FHC, que enfrentou duas crise de menor impacto, não conseguiu superá-las com a mesma desenvoltura e o apagão, como será destacado no próximo artigo dessa série sobre o papel do Estado, também é fruto dessa visão estreita e privatizante.

O que ocorreu nos últimos oito anos, portanto, foi o estabelecimento de um modelo social-desenvolvimentista, retomando Pochmann, distinto daquele desenvolvimentismo que não se preocupava com a sustentabilidade econômica das empresas do Estado, observado nos anos 70 quando as estatais foram levadas a um brutal endividamento para ajudar no fechamento do balanço de pagamentos do país. Tal situação, aliás, abriu caminho para que na na década de 1980 houvesse um desempenho pífio das estatais, desancadas pela mídia comercial e, no decênio seguinte, facilitasse o processo de privatizações.

O PSDB pode até não querer debater o assunto, e motivos tem para isso. Mas esse está longe de ser um debate secundário.



*Retirado do site da Revista Forum (clique aqui)

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