quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Existe uma nova classe média no Brasil?

Redução da expectativa de mobilidade social pelo aumento da escolaridade
Une porte doit être ouverte ou fermée (Uma porta deve estar aberta ou fechada)
Sabedoria popular francesa


Diminuiu ou não a desigualdade social no Brasil? A mobilidade social está mais intensa ou não? Está se formando uma nova classe média? Como dizem os franceses, a porta da ascensão social está aberta ou fechada? O tema alimenta uma polêmica exaltada. Um bom parâmetro, porque incontroverso, é recordar que o Brasil se manteve, em 2009, como um dos dez países com maior desigualdade social do mundo segundo o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) sobre o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em 177 países. É importante acrescentar que o índice de Gini mede a diferença entre as rendas que remuneram o trabalho, portanto, não leva em conta as rendas do capital: juros e lucro. É uma informação insatisfatória para avaliar toda a dimensão da desigualdade.

Por Valério Arcary*

A formação de uma “nova” classe média foi alardeada pela mídia apoiada em um estudo feito por pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio: cem milhões de brasileiros teriam alcançado uma renda mensal igual ou superior a R$1.200,00. O aumento da capacidade de consumo de uma parcela dos assalariados mais pobres é uma boa notícia, mas não é suficiente para demonstrar a formação de uma nova classe média.

A elevação do salário mínimo acima da inflação, a ampliação da acessibilidade ao crédito e a redução do desemprego – associados a políticas públicas, como o Bolsa Família – parecem ter sido os principais fatores do aumento do consumo das famílias entre 2004 e 2009. Mas é um abuso concluir, por analogia com outros períodos históricos, que a mobilidade social estaria mais intensa. O consumo de bens duráveis e semiduráveis, como automóveis e eletro-eletrônicos, não é suficiente para demonstrar que teria surgido uma nova classe média.

Duas tendências contraditórias
Os dados disponíveis (estudos do IPEA fundamentados na PNAD de 2008 do IBGE) informam dois indicadores que são incongruentes. A Pnad de 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revela que, entre 2001 e 2004, a renda dos 20% mais pobres cresceu cerca de 5% ao ano, enquanto os 20% mais ricos teriam perdido 1%. Mas, nesse mesmo período houve queda de 1% na renda per capita, e o Produto Interno Bruto (PIB) não cresceu significativamente. Acontece que a evolução do PIB foi uma variável decisiva na história econômico-social do Brasil e, portanto, parece frágil concluir, considerando prazos mais longos do que dois ou três anos, uma redução da desigualdade social, se não estiver ancorada em crescimento acima dos 2% a 3% que foram a média histórica dos últimos trinta anos.

A explicação para a redução das desigualdades estaria, segundo pesquisadores do IBGE, nos programas de distribuição de renda como, por exemplo, a cobertura mais universal da aposentadoria do INSS, e o Bolsa Família. Mas, ainda assim, o tema permanece controverso, porque existe uma subnotificação da renda da riqueza: rendimentos financeiros no Brasil e no exterior, ou aluguéis, por exemplo.

As informações disponíveis são contraditórias porque sinalizam tendências antagônicas. Por um lado, a participação proporcional dos salários sobre a riqueza nacional, a distribuição funcional da renda, foi descendente, até atingir um piso abaixo de 40% ao final dos anos do governo de FHC, o que foi claramente regressivo. Entre 2005 e 2008, um intervalo ainda curto para constituir uma série histórica, os salários recuperaram uma parte de suas perdas, mas seria necessário um crescimento econômico de pelo menos 5% em 2011, para que voltassem ao patamar de 1990. Vinte e um anos depois, voltaríamos aos níveis de 1990.

Por outro lado, a disparidade de renda entre os assalariados – as diferenças entre o salário médio do trabalho manual, o salário médio de trabalhadores em funções de rotina, e o salário médio dos assalariados com nível superior -, veio diminuindo nos últimos quinze anos. Os assalariados têm uma remuneração mais homogênea. Em resumo, a desigualdade entre os salários veio sendo reduzida. Este processo revela dinâmicas econômico-sociais contraditórias, embora não seja inusitado: a elevação do piso da remuneração do trabalho manual é, socialmente, positiva, mas a queda do piso dos assalariados com elevada escolaridade deve ser avaliada como regressiva, porque desestimula a busca da educação como instrumento meritocrático de ascensão social.



 

*Valério Arcary é professor do IF/SP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia), e doutor em História pela USP.

**Retirado do site da Revista Carta Capital (clique aqui)

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