segunda-feira, 21 de março de 2011

Brasil, Líbia e a parafernália midiota


Clique na foto para ampliar
Em visita ao Brasil, o presidente Barack Obama – o que ia enquadrar os bancos, fechar Guatánamo e retirar as tropas do Iraque e do Afeganistão – anuncia covarde e solenemente a continuidade da política de terrorismo de Estado dos EUA e manda atacar a Líbia.

Claro, como se apressou a esclarecer o mentirapresentador Wiliam Waack e a Rede Globo de Televisão, tudo sem qualquer risco para os seres humanos. Para os verdadeiros, obviamente, não para aquela gente que vive no deserto cheio de petróleo.

Por  Leonardo Serero*

O ataque seria “higiênico”, feito por mísseis “inteligentes” e vôos não tripulados contra alvos estritamente militares, tudo bem calculado. Assim, comemoram as agências desinformativas internacionais, em meio a imagens holliwoodianas dos tomahawk – nome dado às machadinhas pelas tribos indígenas Algonquin e Iroquois que habitavam o leste da América do Norte até serem dizimadas a mando dos governos dos cowboys.

Lançados de “moderníssimos” porta-aviões, os novos tomahawk são remetidos em missão humanitária pelos que se crêem xerifes do mundo. Um sucesso tão grande que já ultrapassa 100% de êxito, conforme as agências que já tinham as fotos prontas antes de acertarem os alvos. Aliás, há sempre um fotógrafo das agências dos países agressores (EUA, França e Inglaterra), para mostrar um tanque de soldados leais a Kadafi em chamas. Uma cobertura impressionante, pois é certamente tão perfeita quanto isenta.


Como no Iraque? Quantos ainda lembram do menino sem braços – e sem família – considerado um pequeno “efeito colateral” dos bombardeios “cirúrgicos” sob Bagdá recebendo ajuda desinteressada nos EUA? No órfão de pais e país, foram colocadas próteses ultra modernas, membros de última geração, o primor da tecnologia, ao dispor para ajudar os necessitados.

É desta mesma forma que o “regime do coronel Kadafi” está sendo castigado em Trípoli, dizem, Nem uma palavra – ou imagem - sobre os bairros residenciais atingidos ou das centenas de civis vitimados na ação que teoricamente serviria para libertá-los. Que importa? Foi detido o avanço das tropas “bárbaras”, “sanguinárias” e “mercenárias” que estavam a ponto de chegar a Bengazi.

A auto-proclamada capital dos “rebeldes”, a soldo dos que buscam secionar o país para o “ocidente” tomar de assalto suas imensas riquezas, foi finalmente colocada não muito sã, mas a salvo. Custe o que custar, é preciso parasitar esta incalculável energia para livrar o mundo da crise que abala os EUA e que se alastra impiedosa pela Europa, alavancando o desemprego, rebaixando salários e desaparecendo com direitos.

Os países da auto-intitulada “coalizão”, na verdade os neo-nazistas, como apontou o líder líbio, “querem fazer o tempo voltar atrás e tomar o petróleo que pertence e deve estar sob controle do povo”. “Gostaria que eles lembrassem da aventura em que estão se envolvendo. Esqueceram de como foram atingidos na Argélia, no Vietnã e querem ouvir novamente o clamor da batalha? O deserto da Argélia até hoje abriga os milhares de cadáveres dos aventureiros”, sentenciou Kadafi.

Mas afinal, que equação nacionalista é essa do governo líbio - que assim como o governo boliviano do “índio” Evo Morales fez com o gás -, põe 90% dos recursos arrecadados com o ouro negro nas mãos e bocas do país, reservando “apenas” 10% para as transnacionais? É preciso dar uma lição aos que ousam cometer tamanha blasfêmia contra o “deus mercado” e ensinam matemáticas altivas - cientificamente problemáticas ao neoliberalismo -, que se desdobram no caso líbio no maior IDH da região, em saúde e educação públicas. Imaginem se a moda pega num Oriente tão justo e democrático, tão cheio de bases ianques e regimes títeres? A lição do Iraque com os seus mais de um milhão de mortos já não é o suficiente? Esses árabes...

Recordo de um encontro internacional de comunicadores em Caracas em que o jornalista e professor belga Michel Colon descrevia como se faz uma campanha de demonização. E citou os passos da agressão midiática contra o Iraque, esmiuçando os passos da manipulação. Lembro de duas cenas. A primeira, de um pássaro coberto de petróleo, bico, olhos, asas, patas, tudo. O animalzinho se debatendo, todo tingido daquela gosma preta, morrendo intoxicado, agonizante, sem forças nem para levantar o pescoço.

Em sincronia com o foco no olhar que se despedia da vida, a propaganda elevava os tristes acordes da música e os faziam alcançar o fúnebre. Então, Michel parou a exibição do vídeo. Ele já havia sido passado à exaustão na Europa e sei mais lá onde como peça publicitária pró-invasão. Pediu a todos que colocassem os neurônios para funcionar e para que fosse feita uma análise, individual e coletiva, mais pormenorizada sobre a “informação” recebida. A verdade é que nunca houve tal ave na região do Golfo. A imagem havia sido captada após mais um destes desastres ambientais provocados por companhias petrolíferas dos EUA. No Alaska.

Logo depois, um vídeo que causou um impacto ainda maior. Uma jovem enfermeira descrevia a uma platéia de centenas de pessoas, como as tropas de Saddam Hussein agiram quando entraram no Kuwait. “Invadiram as incubadoras e jogaram os bebês no chão”, dizia, relatando entre soluços, que recordava do som seco das botas iraquianas pisoteando os bebês recém-nascidos, uma selvageria indescritível.

Da mesma forma, imagem e música confluíam para inebriar a atmosfera, capturando o plenário mergulhado em sangue e transe, inundando de lágrimas a assistência e evocando a Humanidade a reagir contra tamanha perversidade. Pausa. Michel Colon chama à razão, lembra que foi descoberta a farsa. A jovem não era enfermeira, nem mocinha. Era a filha do embaixador do Kuwait, de um governo bastante conhecido pela forma com que tratava “humanitariamente” a sua oposição.

Seriam tais “depoimentos” pró-invasão e zonas de exclusão aérea, escandalosamente repetidos à exaustão, uma mera projeção dos seus próprios crimes, cometidos pelas tropas ianques e seus cúmplices por todos os continentes, no Vietnã, em Abu Ghraib ou na Palestina ocupada? Afinal, o nascimento do estado fantoche dos EUA no Oriente Médio não se deu mergulhado em sangue árabe? Como a data está próxima, vamos nos ater a 9 de abril de 1948, em Deir Yassin, vila palestina próxima à Jerusalém.

Ali, as tropas de Israel estupraram de crianças a idosas, e abriram o ventre das mulheres grávidas com facas de açougueiro. Os requintes macabros são “do mais cruel barbarismo”. Estes sim, fartamente comprovados e documentados pela Cruz Vermelha Internacional. Diante dos duzentos e cinqüenta e quatro homens, mulheres e crianças massacrados em Deir Yassin, o Grande Rabino de Jerusalém amaldiçoou a todos os judeus sionistas que tinham tomado parte na carnificina.

Encarando a convocação de Bush Júnior e enfrentando a intensa campanha dos meios de comunicação pela agressão ao Iraque, “para proteger a segurança mundial das armas de destruição em massa”, o presidente Lula afirmou: “Nossa guerra é contra a fome”. Demarcando campo com a covardia, o oportunismo e a pusilanimidade, Lula lembrou que, caso algum ministro seu ousasse repetir os vergonhosos tempos de FHC e do amestrado Celso Lafer - que só entrou nos EUA após retirar os sapatos –, imediatamente deixaria o posto. Afinal, não serviria mais aos interesses do Brasil e do povo brasileiro. O vídeo pode ser facilmente acessado pelo youtube, mostra o sorriso de Celso Amorim, o aplauso da plateia, e lava a alma...

Nesta visita de Obama, segundo constam nos jornais – passadas 24 horas ainda sem desmentido por parte dos envolvidos-, não foram um, mas quatro ministros submetidos ao vexame, incluindo Guido Mantega, naturalmente. O fato é que as nossas autoridades deixaram ser revistadas pela segurança de Obama quando chegavam para participar da Cúpula Empresarial Brasil-Estados Unidos. Isso dentro do nosso próprio país. Sem aparelhos de tradução – aí também já é demais, devem ter pensado – deixaram o local, duplamente humilhados.

Será este o tipo e o nível de “interlocução” que deve buscar um governo de uma nação soberana, que tanto havia avançado no último período em termos de integração latino-americana, com os países africanos e com os próprios árabes? Mais cedo ou mais tarde a verdade aflora, bem como os desdobramentos das equivocadas opções adotadas, como o corte de recursos do Orçamento, a alta dos juros e a suspensão de concursos públicos.

A parafernália midiota, que sempre pressiona por recuos no campo da soberania e da auto-estima e dá sustentação a todo e qualquer retrocesso, tem sua pauta externa umbilicalmente ligada aos interesses dos Estados Unidos, das indústrias bélica e petrolífera. Isso torna mais do que necessária, inadiável, a democratização da comunicação.

A construção de instrumentos contra-hegemônicos, como a Telesul, ao dar voz e imagem ao considerado “outro lado’, isto é, o da grande maioria dos países e povos, começa a fazer água no barco da ideologia neocolonial da submissão e da mediocridade.

Diante da ingenuidade com que muitos ainda encaram a complexidade da batalha em curso, vale lembrar Lênin, numa obra já mais do que centenária, “Imperialismo, fase superior do capitalismo”: “Os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros: e repartem-no segundo o capital, segundo a força...”




*É jornalista da Hora do Povo e membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé.

**Retirado do Blog do Altamiro Borges (clique aqui)

Nenhum comentário: