sexta-feira, 24 de junho de 2011

O risco da alagoanização da federação


O artigo abaixo é de autoria de Edmilson Lopes Júnior*. Ele me foi compartilhado no Facebook (para quem tem perfil no Facebook).

É bom texto para reflexão.

O estado de Alagoas se tornou símbolo da destruição do serviço público e da destruição da capacidade de regulação do Estado no Brasil. A dilapidação do patrimônio público, expressa na escandalosa isenção de impostos dada aos usineiros na segunda metade da década de 1980, estreitou a margem de ação governamental por quase duas décadas. As greves de servidores públicos, em áreas fundamentais como saúde, segurança pública e educação, levaram ao caso no serviço público. Os indicadores sociais traduziram o desastre. Menos intervenção pública, mais desigualdade social, violência e pobreza. E quem visita Maceió, percebe de pronto a enorme distância social que separa o opulento mundo da orla daquele do entorno periférico onde grassa miséria e violência.

À violência estrutural, triste marco distintivo da unidade federativa que legou ao Brasil Graciliano Ramos, traduz-se na violência brutal e banal das estatísticas de homicídios, conforme pode se constatar nos dados apresentados no "Mapa da Violência 2011", produzido por Júlio Jacob Weiselfisz. Entre 1998 e 2008, a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes passou de 21,8 para nada menos que 60,3. Essa situação fez com que Alagoas passasse a ocupar o 1º lugar, dentre os estados da federação, em relação a essa fatídica taxa.

Essa dramática realidade tem provocado a reação de alguns atores políticos e sociais locais. E seria desastroso utilizar o quadro acima exposto para mobilizar preconceitos contra quem já sofre tanta violência. Não são todos os alagoanos que produziram esse desastre, é certo. Mas é também necessário não se apegar à fórmulas fáceis, sempre muito boas para aplacar as más consciências, como aquelas que atribuem todas essas mazelas aos políticos. Ou aos governantes locais. A construção social do caos alagoano também teve como ingrediente o silêncio cúmplice dos que se sentiram imunes à destruição do Estado no estado. Imersos no mundo privado dos shoppings, colégios particulares e planos de saúde, eles não perceberam (ou pouco se importaram com) o mundo ruir à sua volta. Esqueceram que a fatura pode até ser atenuada pelo apelo aos muros altos e os exércitos privados, mas sempre vem e atinge, mesmo que diferenciadamente, a todos.

Há esperanças, apesar disso. Gente compromissada e dotada de competência intelectual tem tentado compreender e apontar caminhos que levem à produção de um cenário positivo. Essas pessoas estão além e aquém das disputas políticas comezinhas. Ou dos corporativismos rebuscados de retóricas pseudo-revolucionárias que também contribuem, ao tomar o atendimento de demandas particularistas como a medida de bom governo, com sua pequena cota para a destruição da máquina pública. Não é impossível que surja uma luz no fim do túnel, também em Alagoas.

O mais dramático, entretanto, é que o padrão alagoano de destruição do Estado espalha- se como uma condenação por outras unidades da federação. De forma menos escancarada, outros estados sofrem com a destruição do serviço público e a perversão dos gastos públicos. Sempre com gastos próximos ou acima dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, vão se tornando ingovernáveis. Em um prazo não muito longo poderão se tornar inviáveis. É o caso do Rio Grande do Norte.

No estado que se vangloria de suas belezas naturais e do seu potencial turístico, a dilapidação da capacidade de intervenção do Estado foi feita de forma gradativa e silenciosa. O crescimento exponencial dos gastos com o Legislativo e o Judiciário foi, ao longo dos anos, minando a margem de manobra dos governos estaduais. Cúmplices ou reféns de lobbies poderosos, os gestores públicos viram diminuir, ano a ano, a sua capacidade de atender demandas mínimas dos servidores públicos de setores tão estratégicos quanto os de saúde, educação e segurança.

Hoje, no Rio Grande do Norte, nada menos que sete categorias de funcionários públicos estão em greve. Paralisando serviços essenciais, especialmente para os mais pobres. Aqui, como em Alagoas, um silêncio cúmplice criou as condições para a destruição da máquina pública. E os resultados dessa inação começam a aparecer e a atormentar a todos.

Os indicadores relacionados à segurança pública, por exemplo, mesmo se ainda não tão graves quanto os alagoanos, estão longe de expressar a tranqüilidade que as autoridades locais apontam em seus discursos. Em dez anos, a taxa de homicídios em Natal quase dobrou: pulou de 16,2 para 31,1 assassinatos para cada 100 mil habitantes. E os homicídios na faixa de 15 a 24 anos, em todo o Rio Grande do Norte, atingiram em 2008 a taxa de 46 assassinatos para cada 100 mil habitantes.

No Rio Grande do Norte, como em Alagoas e outras unidades da federação, o que pode emergir, em breve, é a discussão sobre a viabilidade mesma dessas unidades federativas. A reflexão sobre o processo de alagoanização de alguns estados é urgente. Especialmente em um momento no qual, de forma açodada, o Senado aprova um plebiscito para a criação de mais um estado.


* É professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).




Abaixo o governador de Alagoas rindo de você! 

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