Artigo publicado na Revista CartaCapital sobre as novas formas de mobilização pela internet.
Sem partidos ou sindicatos, os brasileiros voltam às ruas em grandes manifestações convocadas pela internet
Por torpedos de celular, operários da usina hidrelétrica de Jirau, em   Rondônia, compartilham insatisfações com as condições de trabalho no   canteiro de obras. Em poucas horas, o queixume alastra-se e resulta em   uma das maiores revoltas trabalhistas da história recente do País, com   54 ônibus incendiados e 70% do acampamento depredado. Isso em plena   selva amazônica, a quilômetros de distância de qualquer sindicato ou   sede de partido. Três meses depois, também sem lideranças formais,   bombeiros no Rio de Janeiro promovem um motim em pleno quartel da   corporação, para exigir melhores salários. Presos, recebem massivo apoio   de familiares, amigos e uma legião de desconhecidos por meio da   internet e constrangem o governador Sérgio Cabral. Na mesma semana,   estudantes em Natal organizam por Twitter e Facebook manifestações   contra a prefeita Micarela de Sousa (PV), levam 2 mil pessoas às ruas e   montam acampamento no pátio da Câmara Municipal para pedir providências   contra suspeitas de corrupção.
Os episódios não são isolados. Em São Paulo, protestos pelas causas  mais  diversas viraram praticamente programas culturais na agenda da  semana.  Desde março, a Avenida Paulista e suas adjacências já reuniram  milhares  de manifestas Vadias”, à liberdade de fumar maconha e à  liberdade de  pedir liberdade para fumar maconhaantes em prol das causas  mais  diversas, do fim da violência contra a mulher, com a “Marcha d.  Até  mesmo um abraço coletivo “contra as mais diversas formas de  violência”  ganhou as ruas, após convocação geral na internet, na  quarta-feira 22.
Em comum o fato de as manifestações serem organizadas por meios   eletrônicos, sem a tutela de partidos, sindicatos ou entidades   estudantis e sem uma hierarquia que permita identificar lideranças. É   como se o tradicional modelo de representação política, consolidado no   século XX, não fosse mais adequado para os novos tempos e demandas. Em   uma recente pesquisa Datafolha, feita em parceria com a agência de   publicidade Box, 71% dos entrevistados afirmam ser possível fazer   política sem intermediários, apenas por meio da internet. A tendência   não é exclusividade brasileira, como se pôde observar nas manifestações   convocadas por redes sociais que derrubaram ditadores do mundo árabe e   paralisaram cidades na Espanha  em outras nações européias.
O que liga realidades tão distintas, segundo Henrique Antoun,   especialistas em comunicação e transformação política da Universidade   Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é que os movimentos, em geral, são   formados essencialmente por um novo perfil de jovens, que muitas vezes,   estão submetidos a condições precárias de estudo ou tralho (este cada   vez mais descontínuo, sem garantias nem direitos consolidados), não têm   casa própria e estão cansados de uma realidade de violência.
De acordo com o Datafolha, 71% dos internautas dizem ser possível fazer política sem intermediários
Conectado à internet e menos dependente de lideranças e da mídia para  se  manter informado, o público jovem reage a essa realidade por conta   própria. “A sociedade de massa estava estruturada num sistema de   representações. E era muita gente, não dava para falar, para manifestar   opiniões. Todo mundo era muito parecido e as coisas discrepantes não   interessavam”, diz o professor. Com as redes sociais, continua Antoun,   não só foi eliminada a necessidade de alguém intermediar como também se   criaram rejeições aos intermediadores.
O estudante de filosofia Fabrício Muriana, 26 anos, não filiado a partidos políticos ou movimentos sociais. Nem por isso deixa de ser um ativista. Participa de coletivos que reivindicam mais segurança para os ciclistas, de grupos que discutem a democratização das novas tecnologias, e integrou, recentemente, três grandes protestos na capital paulista. Marcou presença no churrasquinho de gente diferenciada, em Higienópolis, numa reação a uma associação de moradores que rejeitava uma estação de metrô no Bairro, juntou-se às feministas na Marcha das Vadias e ingressou as fileiras da chamada Marcha da Liberdade, convocada para protestar contra a representação policial à Marcha da Maconha. “Todos podem participar e debater em fóruns da internet. Você pode até ver a participação de sindicatos e movimentos sociais organizados nessas manifestações, mas nenhum deles se apropriado movimento”, diz Muriana.
O estudante destaca que uma das características dessa nova forma de   mobilização é a sociedade produzida em rede pela internet, com a   superação das barreiras territoriais. Exemplo disso, diz Muriana, foi a   velocidade com que uma mensagem de apoio aos manifestantes espanhóis,   gravada em Barcelona pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, chegou aos   internautas brasileiros com um vídeo postado no Facebook já com a   legenda em português, trabalho de alguém que se dispôs a compartilhar o   recado. “O vídeo teve mais de 70 mil visualizações e, com certeza,   inspirou muitos jovens brasileiros a saírem da apatia.”
Para Lilian Starobinas, doutora em Educação e mestre em História  Social  pela USP, a auto-organização é notória em todos os casos, mas as   motivações ainda precisam ser analisadas sob contextos diversos. “O  caso  do Egito foi uma mobilização contra um regime em que a liberdade  de  expressão era cerceada. Tinha um objetivo muito claro: derrubar  aquele  sistema”. Na Espanha, continua a especialista, não havia clareza  de  objetivos, mas antes um sinal de que o descrédito atingia o sistema  de  democracia representativa, e não só contra tiranos.
No Brasil, diz ela, a situação é diferente porque as mobilizações   ocorrem num momento em que o País torna-se um ator da economia mundial.   Neste caso, afirma Starobinas, o que se discute são as formas de   inclusão em um processo de desenvolvimento econômico. “Esses jovens   pedem uma reflexão sobre como serão colocados como sujeitos, e não   objetos de política pública. Fiquei impressionada nas últimas semanas   com o nível das discussões sobre o novo Código Florestal e o kit   anti-homofobia. Eram posições defendidas de um modo muito articulado,   mesmo do outro lado, com articulação das redes mais conservadoras.”
A velocidade dessas mobilizações constitui, atualmente, um dos   principais desafios para as classes políticas. Exemplo disso ocorreu na   Marcha da Maconha, em São Paulo, que terminou em confronto com a   polícia. Preso durante a manifestação, o estudante de psicologia Lucas   Gordon, 24 anos, avalia que, aperece do despreparo das autoridades, o   ambiente para o debate é mais favorável hoje mídia tradicional está   dando mais  espaço para esse tipo de discussão e, na internet   praticamente não existe cerceramento e opinião. Prova disso é que, neste   ano no mínimos 2 mil pessoas na Paulista. No anterior, não havia nem   500 no Ibirapuera.
Outra mobilização que acabou em confronto com a policia aconteceu em   Vitória no Espírito Santo, onde estudantes protestam desde o inicio de   janeiro contra o aumento na tarifa de ônibus. Em 2 de julho o Batalhão   de Missões Especiais da policia entrou em choque com os manifestantes   que tiveram de fugir das bombas lançadas pelos soldados e se refugiar no   campus Universidade Federal. Vinte e oito pessoas acabaram detidas,   entre elas o aluno de economia Tadeu Guerzet. Embora fique ao PSOL e   militante Movimento  e Liberdade, Guerzet. Afirma que a manifestação não   é tutelada por partidos, entidades estudantis. “Muitos jovens se   reuniram em redes sociais de maneira autônoma para protestar e passaram a   logar com os grupos políticos mais atualizados. Daí surgiu o movimento   que apanhou as ruas. Apenas em uma comunidade do Orkut há mais de 1,7   mil integrantes acompanhando essa discussão”,  diz a estudante. “Mas o   governo não está preparado para lidar com essa forma de organização.   Quando vamos negociar, eles cem estar diante de um presidente indicado   ou partido, com poder de imediata. Com os estudantes é diferente.   Qualquer proposta precisa ser debatida e votada em assembléia geral.”
Antiga propulsora de movimentos de rua, a União Nacional dos Estudantes começa a sentir os ventos da mudança. Luis Felipe Maciel, diretor jurídico da UNE, admite que as novas mídias mudaram o perfil das manifestações e contrariam a impressão de que os jovens brasileiros não lutam. Por enquanto, a UNE, diz ele, se limita a acompanhar a onda divulgando seus eventos pelo Facebook e pelo Twitter. Segundo Gustavo Petta, ex-presidente da UNE, os novos líderes estudantis ainda precisam identificar as bandeiras que mobilizam os jovens e procurar dar um caráter “mais político” a essas manifestações. Sem isso, alerta, as ações não ganharão força para ser reconhecidas pelo Estado.
A mudança na relação de representação política não se restringe aos estudantes, como foi observado na greve dos bombeiros fluminenses e nas revoltas promovidas por operários de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Vice-presidente da Força Sindical, Miguel Torres acompanhou rebeliões de trabalhadores em Pernambuco, Rondônia e Mato Grosso. Ele reconhece que, atualmente, as lideranças sindicais enfrentam dificuldades para acompanhar a velocidade das mobilizações on-line, mas lembra que todos os movimentos operários autônomos terminam em violência e ficam fora de controle. “A informação é rápida, mas muitas vezes chega distorcida. Essas manifestações não têm lideranças. Quando têm, elas são escolhidas na hora. Depois que virava bagunça, a gente chegava para os trabalhadores e perguntava: o que vocês querem? Por que pararam as obras? E nem pauta eles tinham”, relata. “O movimento em Jirau estourou com telefonemas, torpedos de celular. No meio da Amazônia, eles sabiam quanto os funcionários das obras lá de Suape (o porto de Pernambuco) estavam ganhando, quanto era a cesta básica. E ficavam revoltados porque achavam que ganhavam pouco.”
O secretário nacional de Mobilização do PT, Jorge Coelho, também sai  em  defesa das lideranças partidárias. Ele diz analisar os movimentos   autônomos de forma positiva, mas prevê que o caminho natural das   reivindicações passa pela estrutura partidária. “A internet contribuiu   para que as pessoas encontrem pontos comuns entre elas. Os partidos não   perderam importância nessas mobilizações. Os jovens é que, pela própria   natureza, acham que não precisam de partidos”.
Para o professor Hatoun, apesar dessa aproximação, as ações  articuladas  pela internet vão acontecer sempre à revelia do poder  público e dos  políticos, apesar de conectados às redes sociais, só vão  detectar os  problemas quando o movimento tiver acontecido. “Algum  político consegue  se relacionar. Mas ele não é mais intermediador. A  internet está  detonando isso.”
Mesmo assim, a reação aos novos tempos  pode ser percebida. A  Secretaria Geral da Presidência da República  definiu como prioridade  para este ano a criação de um “portal de  participação social”,  destinado a receber demandas de movimentos sociais  “desorganizados”, ou  seja, que nascem espontaneamente pela internet.  Enquanto isso, dois  ex-presidentes foram escalados para fazer a ponte  entre seus partidos e  a juventude conectada. Fernando Henrique Cardoso  deu a cara em recente  programa de seu partido, o PSDB, conclamando os  colegas tucanos a  arrumarem alguma maneira de dialogar com o público  jovem por meio da  internet. Luiz  Inácio Lula da Silva foi além: gravou mensagem a  blogueiros e tuiteros  pedindo ajuda nas discussões sobre reforma  política. “Nossos  companheiros e companheiras nas redes sociais podem  contribuir muito na  medida em que divulguem as coisas, que coloquem  seus pensamentos, que a  gente faça um debate muito forte’’, disse Lula.
Na  avaliação do filósofo húngaro István Mészáros, apesar do barulho  feito  nas ruas, não devemos esperar mudanças imediatas ocasionadas por  esta  nova forma de mobilização que se alastra pelo mundo. “A juventude  está  extremamente desencanada com as perspectivas para o futuro. Mas os   problemas do nosso sistema são tão grandes que levará algum tempo para   que qualquer movimento surta efeito”.
Fonte: Revista Carta Capital – Matheus Pichonelli e Rodrigo Martins
*Texto retirado do site MPI Digital [texto no site da CartaCapital não está disponível] (clique aqui)

 
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