sexta-feira, 7 de março de 2014

"Feliz com mais dinheiro? Do que você está falando?" [ATUALIZADO]



O capitalismo é capaz de fazermos pensar que ele existe desde sempre e que para termos felicidade, é necessário ter muito dinheiro. Esse sistema que vive à custa da exploração entre as pessoas e entre povo inteiros, seduz e nos ilude com o falso, o irreal e supérfluo.

O ator argentino Ricardo Darín participou no final do ano passado do programa de entrevistas de seu país chamado “Animales Sueltos”, apresentado por Alejandro Fantino. Na ocasião, ele comentou o motivo de ter negado a participar de filme do premiado Quentin Tarantino.

A postura do argentino chama a atenção pela diferença em se relacionar com o que o cerca, principalmente pelo meio em que trabalha.


Abaixo segue a transcrição de parte da entrevista e, logo após, o vídeo. (a transcrição traduzida por retirada do site O Esquema)


Fantino: É verdade que você recusou uma oferta para filmar em Hollywood com Tarantino?

Darín: Sim, é.

F: E por quê?

D: Porque me ofereceram o papel principal mas eu teria que fazer um traficante mexicano. E eu perguntei ao produtor por que os mexicanos sempre tem que fazer os traficantes se os maiores consumidores em nível planetário são os ianques.

F: E o que ele respondeu?

D: Bom, a resposta que ele me deu me incomodou tanto que confirmou minha escolha de não filmar com Tarantino. Me disse “Então é uma questão de dinheiro. Diga quanto você quer que pagamos. Você coloca o preço”. Quer dizer, não podem chegar a ver nem a compreender que existem códigos fora do dinheiro que alguns de nós temos… entende?

F: Mmm… não, na verdade não.

D: Como não? Ale, você é esperto, tem que entender o que falo…

F: Mas você poderia ter ganho mais dinheiro.

D: Mais dinheiro? Ser milionário? Pra quê?

F: Como pra quê? Pra ser feliz.

D: Feliz com mais dinheiro? Do que você está falando?

F: Bom, todos queremos ter mais dinheiro pra ser felizes.

D: Ale, eu tenho dinheiro, tenho um carro importado de alto nível. Como o que quero no café da manhã, no almoço e no jantar, e posso tomar dois banhos quentes por dia. Você tem ideia de quantas pessoas no mundo podem tomar dois banhos quentes por dia? Muito pouca gente, entende? E como eu não me considero um excelente ator, sempre digo a mim mesmo que foi por pura sorte, entende? Nesse mundo capitalista selvagem eu sou um cara de muita sorte. Eu sou um privilegiado entre milhões de pessoas. E mais, eu tenho a sorte de poder ver isso em mim, o que me permite ter uma boa conta bancária e não acreditar nela. Eu posso me ver de fora e dizer “Puta, que louco, que sorte você teve”.

F: Mas você filmaria em Hollywood… e não pode negar que do Tarantino ao Oscar seria um pulo…

D: Acho que eu não sei me explicar direito… eu já estive na cerimônia do Oscar e não gostei, tudo é de plástico dourado, até as relações entre as pessoas. Fui, aproveitei, mas esse mundo não é o meu, não é o que elegi nessa vida.





[ATUALIZADO ÀS 14H]

Erramos ao publicar o texto com o trecho da entrevista de Ricardo Darín. Embora sua participação no programa "Animales Sueltos" tenha o mesmo teor do texto acima, o texto não é fiel ao que foi dito. 

O diretor que teve a negação de Darín não foi o Quentin Tarantino, mas sim, Tony Scott, irmão de Ridley Scott.

Enfim, pedimos desculpas e agradecemos ao leitor que nos avisou. Abaixo segue a tradução do trecho em questão de forma correta. Ele foi retirado do mesmo site O Esquema. E repetindo, o teor é o mesmo!


A: Você foi atrás, gostaria, está atento, ou não te interessa nem o mínimo de jogar na Itália, outra analogia com futebol… o que acontece entre você e Hollywood?

D: Nada…. nada em especial, não me tira o sono nem me deixa louco… me soa muito “cholu” (tiete) (expressão que designa um índio que assume costumes brancos).

A: Não te deixa louco isso? Não te deixa louco? Me escuta… deixa eu evoluir com isso… casa em Los Angeles…

D: Não, não…

A: Me escuta… ter um carro incrível em Los Angeles, viver cercado de estúdios, filmar dois filmes por ano, casa em Santa Mônica, esse fim de semana é de sol em Santa Mônica, tranquilo, lancha, ski, não te interessa isso? Não trabalharias…

D: Eu não sinto essa pulsão nesse momento para nada. Hollywood não me tira o sono, o Oscar não me tira o sono. (…) Me criticaram muito porque dizer que não tinha vontade de ir ao Oscar, não porque não tinha vontade, mas “como vai dizer que não tem vontade de ir ao Oscar? Cê tá brincando!’ Sim, não tenho vontade de ir no Oscar, qual é o problema? Por que tenho que ir ao Oscar? Por quê?

A: Por ser o Oscar.

D: Mas o que crêem que é o Oscar? Que querem que aconteça? Eu já fui, já vi, já deu. Já vi, não fiquei muito feliz e estou aqui. A fantasia que se tem lá de fora, que é um ambiente, uma coisa (…) é exatamente por que digo que é cholo isso. Não é sério. É cholo, entende? Tem a ver mais com a parafernália que rodeia a coisa do que com a coisa em si mesmo. A mim, ofereceram só uma vez uma coisa contundente e séria, à qual eu disse que não e depois começou a me incomodar um pouco porque não aceitavam da parte do diretor um não como resposta.

A: O que era?

D: Era um filme que fizeram que depois se chamou Chamas da Vingança, com Denzel Washington.

A: Quem era o diretor?

D: Tony Scott, o irmão do Ridley Scott.

A: Eu tenho que te dizer que não, hein…

D: Mas espera um segundo, antes de fazer essa cara… me escuta, me deixa argumentar. Me ofereceram fazer um traficante mexicano. E por que querem que eu faça um traficante mexicano? Parece que todos os traficantes são latino americanos… no país que tem o maior consumo da face da Terra? Primeiro, não gostei. E, segundo, eu queria vir pra casa. Fazia seis meses que estava fazendo teatro em Madri. Queria vir pra casa ver minha mulher e meus filhos. Me encheu o saco porque a agente me disse que não aceitavam um não como resposta. E automaticamente, depois de uma semana eu dizendo não, não, não, todos os dias estavam na porta do teatro, depois disso passaram à outra faceta, que era “é uma questão de dinheiro? Mas isso não é nenhum problema.” Não, não! Não me interessa!

A: Mas você ganharia mais dinheiro.

D: E? Pra que serve?

A: Para viver melhor.

D: Melhor do que eu vivo? Eu tomo dois banhos quentes por dia. Estava indo bem no teatro, estava trabalhando com gente genial, vinham me abraçar na rua. A ambição pode te levar a um lugar muito obscuro, muito desolador. Eu sou o mais feliz que posso sem olhar para outro lado. (…) Tenho uma situação privilegiada, as coisas estão bárbaras, as pessoas me querem na rua, vejo sorriso, as pessoas vem e me abraçam… o que mais você quer? Pra que mais? (…) Sou um cara muito privilegiado, tenho muita sorte. Me convidam pra trabalhar e se abrem as portas há mais de 30 anos as pessoas confiam em mim. (…) Se vou querer mais do que isso, se vou ambicionar mais do que isso, é porque estou vendo outro filme. Eu sou o mais feliz que posso ser.
 



Um comentário:

Unknown disse...

Ricardo Darin deve carregar algo de Martin Fierro. "Ninguém pode tirar-me, aquilo que Deus me deu: O que ao mundo trouxe, do mundo hei de levar".
Acho que a humanidade está prestes de uma mudança radical de paradigma.
Ela vive pelo ter mais, valor mercado, valores individualistas, deve abandonar pelo ser mais, valores coletivos, valores sociais.