Abaixo reproduzo artigo de Rafael Chagas
sobre a greve das universidades federais. Rafael foi diretor da UNE comigo de
2007 a 2009. Foi Diretor de Políticas Educacionais da executiva da UNE.
O que há de novo na greve das universidades federais?
Certamente o processo de greve deflagrado nas
universidades federais há alguns dias se apresenta em um contexto diferente de
outros movimentos grevistas na educação superior de anos anteriores. As últimas
greves tiveram como marca a desmobilização da comunidade universitária e o
pouco diálogo com o conjunto da sociedade, desgastando este legítimo
instrumento dos trabalhadores. No entanto, este ano, temos assistido um
movimento mais vigoroso, com novos sujeitos políticos em cena e pautas que se
articulam para além das entidades tradicionais do movimento social de educação.
Esse novo cenário traz um ambiente propício para a discussão do conteúdo deste
movimento.
A novidade desta greve parece resultado de uma
questão decisiva: De qual universidade e de qual sociedade esta greve está
falando? Há de se imaginar que novos elementos na conjuntura vão exigir outras
elaborações que irão implicar em novos processos reivindicatórios. Destacam-se
dois pontos fundamentais em que se evidenciam mudanças importantes. Primeiro, a
ampliação da universidade pública no Brasil e em segundo a diminuição da
pobreza com geração de emprego e renda. Assim, o debate se deslocou do âmbito
da necessidade de existir ou não universidade pública em uma sociedade em que
grande parte da população vivia na condição de miséria para a possibilidade da
universidade repensar o seu papel na democratização do país.
Estas novas condições engendram um conjunto de
contradições no interior das universidades. O REUNI, programa do governo
federal responsável pela ampliação da oferta de vagas e pela interiorização da
universidade, também tinha por objetivo mudar a estrutura universitária no
sentido de democratizá-la. Entretanto, este projeto enfrenta dificuldades para
a sua plena implementação, tanto pela limitação orçamentária, quanto pela sua
conformação ao caráter autoritário que caracterizou historicamente as
instituições de ensino superior no Brasil. Não se imaginava que a universidade
mudaria radicalmente apenas com a adesão das IFES a um projeto governamental.
Os setores conservadores que se beneficiam de um modelo anti-democrático de
universidade construído há mais de 100 anos não seriam derrotados apenas por um
processo legal e burocrático. O choque entre o que tem surgido de inovador e a
velha estrutura da Universidade se apresenta de tal ordem que a mobilização
torna-se uma condição necessária para as propostas de mudança se viabilizarem.
Por outro lado, o fortalecimento das classes
populares resultado do crescimento do trabalho e da renda no Brasil exige
pensar um novo papel dos serviços públicos no debate ideológico. Os interesses
privados do mercado logo se colocarão como provedores de serviços pagos de
baixa qualidade, como educação e saúde, para atender esse novo mercado. A
ascensão social vinculada apenas ao aumento do consumo não cria mecanismos de
mudanças, ao contrário, conforma as possibilidades abertas com o crescimento
econômico. Torna-se fundamental o Estado ofertar serviços públicos de qualidade
e universais, com o objetivo de fortalecer a cidadania para além do consumo.
Portanto, a ampliação do ensino superior público deve ser uma questão
prioritária nos debates da greve, já que o crescimento das universidades
federais está aquém das exigências impostas pelas transformações presentes na
sociedade brasileira.
As contradições e as possibilidades presentes
nesses processos de mudanças permite a construção de agendas de transformação
com mais vigor pelo movimento grevista. Enquanto no passado as IFES estavam
sendo sucateadas pelo desmonte operado pelo neoliberalismo brasileiro, este ano
a mobilização se insere em uma conjuntura de retomada dos investimentos na
universidade pública e de centralidade do ensino superior na discussão de um
projeto de sociedade. Assim, passamos de um movimento de resistência ao modelo
vigente a um processo de disputa de projetos, onde a universidade pública não
está em questão, mas sim o que queremos dela.
Soma-se a isso, a entrada de um novo público na
universidade, resultado do REUNI, tanto de docentes como de estudantes. Esses
novos sujeitos, evidentemente, pressionam para que a universidade atenda suas
demandas e interesses que na maioria das vezes não são nem escutadas. A
impressão que passa é que a universidade mantém uma relação de estranhamento
com estes sujeitos, mas agora eles estão dentro dela e exigem participar de sua
dinâmica. A reivindicação destes setores vai desde a infraestrutura necessária
até uma nova concepção de construção do saber, mais democrática e com
relevância social. Isso pode ser percebido em algumas agendas que sustentam
esta greve, onde estudantes se mobilizam por condições adequadas de estudo e
trabalhadores se colocam contra propostas que aprofundam a divisão do saber
entre os que produzem pesquisa e os que se dedicam a docência.
Assistimos, neste sentido, o surgimento de um novo
tipo de protagonismo no interior das universidades, onde os sujeitos se
organizam e estabelecem redes para além das entidades tradicionais dos
trabalhadores e do movimento estudantil. Estes novos atores políticos elaboram
suas pautas a partir do vivido no cotidiano e não através demodelos
pré-estabelecidos ditados pelas estruturas das entidades tradicionais. Os
sindicatos de trabalhadores das universidades e o movimento estudantil tem uma
grande oportunidade, nesta greve, de se reinventarem e se colocarem a altura
das questões de seu tempo.
Portanto, esta greve tem revelado movimentos
interessantes para além do que podemos enxergar a primeira vista. Estes
movimentos contestatórios, elaborados a partir do cotidiano das instituições
por novos atores políticos, é onde se encontra a possibilidade desta greve
conseguir superar uma concepção apenas corporativa, evidenciada em greves
anteriores, e construir processos com a potência necessária para produzir
mudanças radicais na estrutura das universidades brasileiras, caminhando para
superar definitivamente a crise de legitimidade em que se encontra a
universidade em relação ao conjunto da sociedade.
*É diretor da Associação de pós-graduandos
da UFF, mestrando em saúde coletiva da mesma universidade e ex-diretor de
políticas educacionais da UNE
**Retirado do site d a UNE – clique aqui
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