quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Vinte de novembro: mais que um feriado

Em 20 de novembro de 1695 morria Zumbi, líder negro do Quilombo dos Palmares. É nessa data que se celebra o Dia da Consciência Negra. Além de lembrar as lutas contra a escravidão no Brasil, esse dia também serve para lembrar o quanto ainda há por conquistar sobre igualdade racial.

No Brasil os negros e negras recebem em média um salários 36% menor que os brancos, ou não negros, se preferir, segundo o DIEESE. Sua expectativa de vida é também é menor. Segundo o IPEA, os negros podem viver até seis anos a menos – caso de Alagoas – e o motivo principal das mortes é o homicídio. Enquanto que entre os brancos, a maior causa de morte são os acidentes de trânsito.

Nos principais cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP) – considerada a melhor universidade do país –, apenas um calouro negro foi matriculado em 2013 entre os cinco cursos mais concorridos. Dos 533 estudantes, apenas 40 se consideram pardos. Ou seja, 492 estudantes dos 533 são brancos (92%). Em toda a USP, apenas 2,4% são negros. Negros e pardos correspondem a 34,6% da população de São Paulo.

Também na representação política a presença dos negros não condiz com seu tamanho na população brasileira. No Congresso Nacional são menos de 10% dos parlamentares. Dos 513 deputados federais, apenas 43 são negros e dos 81 senadores, apenas dois. Os negros são 51% da população brasileira, segundo o Censo do IBGE realizado em 2010.


Cabe lembrar que o registro da raça é auto declaratória e que por conta do racismo, muito negam sua condição de negros. Provavelmente os negros sejam mais do que 51% de nossa população.

E para quem pensa que o racismo está apenas nas cabeças das pessoas, não é raro ouvir uma piada racista. Danilo Gentili é mestre nisso. Ele chega a oferecer bananas a pessoas negras que reclamam de suas piadas. Também é comum vermos os negros realizando as tarefas braçais do nosso dia a dia. Frentistas em postos de gasolina, motoristas e cobradores de ônibus, garçons, seguranças em shoppings, aeroportos e empregadas domésticas - as eternas mucamas - e por aí vai.

Não que não existam pessoas brancas que também realizam tais atividades, mas a predominância dos negros é infinitamente maior, diria que é inversamente proporcional à sua presença na USP.

Se você que acha que não existe racismo, que cotas é coisa politiqueira para ajudar preguiçoso e render votos para os “petralhas”, pare e olhe ao seu redor, deixe seu preconceito guardado dentro do seu armário, pelo menos por alguns instantes. Não seja um lesado por uns míseros minutos ou algumas horas.

O discurso da meritocracia que provavelmente você esbraveja por aí é uma falácia, um engodo inventado pela elite para justificar sua condição. Como alguém que não tem uma vida tranquila, que mora onde seus vizinhos e os filhos deles morrem pelas tabelas, onde o acesso à saúde, educação e transporte público é precário, onde desde seus bisavós – pelo menos – sua família vive em condição de sobrevivência, o popular “assando e comendo”, pode ter igualdade de competição com alguém que nunca passou por nada disso?

Exemplos de superação existem aos bocados por aí, é verdade. Mas eles são exceções que dão veracidade à regra. Se não o fossem, não chamariam a atenção, ora bolas!

A jornalista Cynara Menezes, da revista Carta Capital, em seu Blog, o Socialista Morena, destacou trechos do livro O Povo Brasileiro, escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro. De tudo que ela destacou, faço um destaque meu. Penso ser esse trecho o que mais explicita a relação entre negros e brancos no Brasil.

As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.

Por fim, vale ressaltar a importância do 20 de novembro. Esse não é um feriado qualquer. Apenas mais um, num país onde a quantidade de feriados não se repete em nenhum outro. Esse dia não é apenas para ir à praia no meio da semana e, durante a cervejinha na mesa do bar, soltar pérolas como “e negro tem consciência?”. Pense nisso.

Um comentário:

  1. Cadu, que matéria profunda, magnifica, chocante, pelos números apresentados, por todo o seu conteúdo.
    Em minha cidade, Cascavel PR nunca vi um profissional de saúde, um médico, dentista, e afins, de cor negra, de descendência negra.
    E aqui percebe-se que só os filhos de gente abastada reclamam do sistema de cotas. Moçadinha que pode pagar os melhores cursinhos e estudar com folga em universidades privadas.

    Existe preconceito de raça no Brasil, sim, E como existe!

    Parabéns por sua matéria, como sempre magnifica, conteúdo que deveria fazer parte das Bibliotecas de Escolas e Universidades.

    Muito grata,

    abraços

    Carmen

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