Maceió é uma das cidades mais violentas do
planeta e, consequentemente, a capital com maior número de homicídios do
Brasil. São 111,1 homicídios por cem mil habitantes, segundo dados do
Mapa da Violência do Ministério da Justiça. Na capital alagoana se mata mais do que
guerras como a do Iraque. No período da guerra no país do Oriente médio, o índice de mortes por cem mil habitantes era de 64,9.
De acordo com dados apresentados no dia 25/02
pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL, nos últimos dois anos 2696 jovens, entre
15 e 29 anos, foram mortos, sendo que desses, 2337 (86,68%) foram vítimas de
arma de fogo. Ainda segundo a OAB, a maioria dos jovens é negra.
Um dia após o anúncio dos dados da OAB/AL, o
empresário Guilherme Paes Brandão, dono do bar e casa de shows Maikai, no
bairro de Jatiuca, foi assassinado. A suspeita é de ter sido latrocínio, roubo
seguido de morte. Como se trata de uma vítima da classe média, logo o governo
do estado designou um delegado especial para investigar o caso.
Aos jovens negros segue a rotina normal de
investigação. Muitas famílias jamais verão os culpados da morte de seus
parentes presos e condenados. O que motivou toda a “dedicação especial” do
aparato policial alagoano para desvendar o crime do empresário Brandão se deve
à sua condição social: classe média.
O secretário de Defesa Social do estado Eduardo
Tavares chegou a comparecer ao local do crime, o bar Maikai, de propriedade da
vítima. Algumas pessoas informaram ao Blog que a ordem para seu gesto “veio de
cima”. Ao chegar no local, Tavares recebeu uma sonora vaia.
Em entrevista, o secretário de Defesa afirmou
sobre o crime que “se fosse no Jacintinho ninguém faria isso, mas aqui nesta
região é diferente”. A fala de Tavares, apesar de inoportuna pelo cargo que
ocupa, não é falsa.
Porém, o mesmo se valeu da crítica que fez ao
indicar um delegado especial para o caso. Se a reação diante do assassinato do
empresário Guilherme provoca uma reação atípica de algumas pessoas diante de
crimes desse tipo pela classe social a qual pertencia, a reação do Estado
seguiu a mesma lógica. No popular foi o sujo falando do mal lavado.
No dia em que jornais e sites estampavam as mais
de duas mil mortes de jovens negros das periferias das cidades alagoanas, não
houve um único status de rede social com indignação. Bastou surgir a notícia da
morte do empresário de classe média e textos, muitas vezes, enormes e repletas
de frases de efeito começaram a pipocar na internet.
Os indignados, revoltados, cansados de tanta
violência só se manifestam quando a morte bate, literalmente, à sua porta.
Quando as mortes ocorrem na periferia e entre os pobres, longe de suas varandas
e calçadas, é apenas estatística e, por vezes, aparecem comentários do tipo
“ele escolheu essa vida”. É duro, mas é verdade.
A triste coincidência entre a revelação do número
de homicídios entre os jovens, de maioria negra, dos últimos dois anos em
Alagoas e o assassinato do empresário Guilherme mostrou bem como a hipocrisia
está encruada nas pessoas.
Não se trata de não dar valor ao crime acontecido
no bairro de Jatiuca, mas sim de questionar a indiferença com os assassinatos
que acontecem em bairros como o Vergel do Lago e Clima Bom em Maceió. Sem falar
naqueles do interior de Alagoas.
E sempre que alguém de “boa família” é vítima de
assassinatos em Maceió, logo surgem campanhas pela paz, caminhadas de branco e
segurando velas, clamor por justiça e todo o tipo de proselitismo de classe.
Na última vez que uma morte de alguém da classe
média maceioense aconteceu, uma manifestação na orla de Maceió foi convocada
com essas características. Também por outra triste coincidência, um jovem negro da periferia de Maceió, do bairro do Mutange, foi
brutalmente assassinado. Mas dele ninguém lembrou, se indignou, se revoltou, se
cansou. Nem sequer uma vela foi acessa por ele na parte nobre da cidade.
É uma verdade histórica a cultura da violência em
Alagoas, como também é a indiferença com as vítimas pobres e negras das favelas
e grotas. E isso só vai começar a parar quando de fato o tratamento dispensado
pelo poder público a essas populações for pelo menos semelhante ao dispensado
para a elite. Mesmo com os avanços dos últimos anos, esse trato ainda é muito
desigual.
A onda de linchamentos que assombra o Brasil,
estimulada pelos "Datenas" e pelas "Sheheradazes" da vida,
aqui começou antes. Uma pena. E isso sim é motivo de indignação, de revolta, de
cansaço. Mas não é o que acontece. Ao contrário, é o que muitos que estarão nas
ruas com suas camisetas brancas e velas acesas na mão defendem que se faça.
Afinal, “bandido bom é bandido morto”.
O sentimento de solidariedade concedida à família
de Guilherme Paes Brandão e o desejo de que esse crime seja elucidado não é,
não pode ser, menor do que a solidariedade e o desejo que os mais de dois mil
crimes contra os jovens negros também sejam resolvidos.
E fica aqui o nosso manifesto de solidariedade
tanto para a família do empresário quanto para as famílias dos jovens que são
mortos todos os dias nas regiões mais pobres de Maceió e do interior de
Alagoas.
Esse texto não é para familiares e amigos de
Guilherme Paes Brandão. Não se pode imaginar a dor que eles estão sentindo
nesse momento e é compreensível todo o sentimento de revolta que os assola.
Esse texto é para aqueles que são movidos por indignação e revolta seletivas,
não possuindo qualquer ligação com a vítima, mas que está com raiva de “tudo o
que está aí”.
Enquanto a vida das pessoas de classe média ou
alta, que moram em bairros nobres e condomínios fechados valerem mais do que as
das pessoas mais pobres, que moram em bairros de periferia, favelas e grotas
nunca teremos justiça de verdade. E mesmo que todos os presídios estejam
lotados – e já o estão! Só que para a alegria da hipocrisia reinante, as
cadeias e presídios estão lotados de negros pobres.
Os que realmente lucram com o crime estão em seus
carros importados, em seus casarões e cobertura à beira-mar, convivendo e
zombando dos indignados, dos revoltados e dos cansados com a violência nos
bairros nobres. É triste, é duro, mas é verdade.
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