sábado, 7 de janeiro de 2023

“Lula salvou Brasil”, a imprensa em escala de cinza

Foto: Ricardo Stuckert

“Lula salvou o Brasil”. Não, essa frase não é de nenhum petista ou alguém da esquerda, nem publicada em algum espaço da mídia progressista. Esta afirmação é de Ascânio Seleme, ex-diretor de O Globo, jornal da família Marinho, a mais poderosa da comunicação no país, em artigo publicado no jornal que já dirigiu neste dia 7 de janeiro.

O tom do texto de Ascânio Seleme vai de encontro ao que já afirmei aqui neste blog, em meu canal no Youtube e nas conversas de segunda-feira no canal do SindAero Espacial: as críticas da imprensa grande a Lula, ao PT e ao seu governo seguirão a existir com das outras passagens da esquerda pelo Planalto, mas num tom abaixo do praticado anteriormente. Exceto na área econômica.

E não, a mídia não será força de apoio ao governo Lula. Definitivamente, não será. Mas, sim, terá uma postura mais aberta às versões do governo diante dos fatos que surgirem. E sim, sempre que possível tentará impor sua agenda e fazer pressão política – e até moral – ao Planalto.

É do jogo, ainda mais quando a imprensa grande brasileira se comporta – e sempre se comportou – como partido político.

E qual a razão para a mudança de tom? O período Bolsonaro no Planalto.

Durante o governo de caráter fascista do ex-capitão e fujão, a imprensa grande foi atacada como nunca, para além das críticas às informações divulgadas. Contestar o trabalho da imprensa, especialmente sia linha editorial, não é, por si só, ato autoritário. Agredir verbalmente e fisicamente jornalistas, mentir e difundir informações falsas para gerar, propositalmente, a descredibilidade dos veículos noticiosos, sim.

Não foram poucas vezes que o governo Bolsonaro soltou informações para negá-las depois. Não foram poucas as vezes que profissionais da imprensa foram agredidos pelo próprio presidente da República. Não foram poucas as vezes que informações foram negadas, mesmo sob o guarda-chuva da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Além disso, as empresas de comunicação são formadas por pessoas. Quantas delas foram atingidas pelas ações de Bolsonaro? Quantos morreram na pandemia devido à campanha negacionista e o atraso na compra das vacinas? Quantos foram agredidos por apoiadores ao fazerem seu trabalho? Quantos foram ofendidos por serem negros, homossexuais ou nordestinos, de nascimento ou descendência?

Por mais que jornalistas cumpram ordens da chefia, esta mesma chefia sabe que não pode esticar demais a corda ao colocar seus profissionais para escreverem algo que os afrontam demais. Assim como em qualquer organização coletiva com grau de comando, esse tipo de coisa afeta a relação. E redações precisam ter o mínimo de bom convívio para funcionarem. Não pensem que as redações, mesmo as dos veículos grandes, são compostas de pessoas pasteurizadas. Não são!

Imagine uma situação de algum repórter ao fazer determinado conteúdo ter que dar ares positivos a algum fato realizado por alguém que o ofende e/ou ameaça a cada dia. Há muita subjetividade na produção de conteúdo jornalístico. Jornalistas não são máquinas, são pessoas.

Mas o principal motivo do tom abaixo que a imprensa grande adotará com Lula em seu terceiro governo – salvo mudança na conjuntura –, é o fato de que ela não tem nome competitivo eleitoralmente e aprendeu que esticar demais a corda sem essa condição resulta num Bolsonaro da vida.

É o bom e velho pragmatismo, mesmo, aí.

Os sinais desse tom diferente em relação ao governo Lula 3, em comparação com os primeiros, podem ser vistos não só no artigo de Ascânio Seleme, que inicia dessa forma: “Lula nos salvou do pior pesadelo, dando vida nova à democracia terrivelmente ameaçada por Jair Bolsonaro. O Brasil deve lhe agradecer por não retroceder aos tempos das trevas”.

Mas também temos visto Miriam Leitão falar em combate à fome. Nunca que ele destacou essa necessidade em seus textos sobre economia, por exemplo.

Mas você que leu esse texto até aqui, não se engane. A imprensa grande não é, nunca foi e provavelmente, nunca será aliada – no atacado – das pautas progressistas. Exceto as de comportamento. E olhe lá!

Um bom exemplo disso é o faniquito com o anúncio de iniciativas do governo Lula 3 para o combate às fake news que, aliás, com bem menos agressividade do que adotaria em outros tempos.

Sempre me refiro aos primeiros governos Lula – e Dilma – ao abordar o comportamento da imprensa grande porque, entre outras coisas, foi aquele comportamento golpista que me fez ter o interesse de iniciar este blog – sim, ele ficou parado por alguns anos, mas esteve ativo por tantos outros – e de cursar jornalismo. Queria “combater o golpismo por dentro”, disse eu a uma professora logo no início do curso.

É importante estarmos atento às nuances do comportamento midiático em relação ao governo Lula 3. Em minha avaliação, pelo que tenho visto, tem sido e tende a ser bem menos preto no branco e muito mais em escala de cinza.


Um comentário:

Hugo Luiz Vieira Costa disse...

Realmente, Bolsonaro fez muita desgraça no Brasil. Mas até quando será que essa postura da mídia que você descreve vai durar?

Sem lei de meios, eles fazem o querem