terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ficha Limpa como instrumento de despolitização

Os mais antigos se lembram de como os debates políticos eram acalorados, recheados de – parece redundância – política. De uns anos para cá o centro do debate político tornou-se a ficha corrida das pessoas. Se elas têm ou não processos e se os têm, se foram condenadas. Não importa tipo, nem circunstância. O debate de ideias, de concepções, de visões de mundo e sociedade parece que se tornou conteúdo de livro de História.

A chamada Lei da Ficha Limpa (PLP 518/2009), fruto de ampla mobilização social e que serviria para regulamentar outras leis sobre as condutas de postulantes a cargos eletivos, deveria ser um avanço também no debate político. Mas infelizmente não é isso que acontece. Agora ninguém mais parece defender alguma coisa. Apenas se afirma e reafirma ser ficha limpa, e pronto.

Esta Lei que em certa medida é um avanço na regra eleitoral no país, é usada como base de um discurso extremamente alienador e antipolítico. É o centro do debate sem debate. É mal usada e no que concerne ao centro da corrupção no Brasil em nada, ou quase nada, tem efeito real.


O centro da corrupção no Brasil não se o candidato A ou B responde a processos judiciais ou se já foi condenado em órgão colegiado da Justiça. O centro da corrupção no Brasil é o financiamento privado de campanha. Mas esse tema pouca gente quer debater.

Como é visto em alguns memes que fazem referência ao Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL à presidência nas eleições de 2010 (Plínio Comenta), “empresa privada não financia campanha eleitoral, faz investimento”. Não poderia ser mais certeiro.

Só para se ter uma ideia de como essa Lei não é nada do que aparenta ser, Tiradentes ou Frei Caneca se tivessem sobrevivido às punições a que foram imputados e ainda estivessem entre nós, não poderiam ser candidatos. Foram condenados por órgão colegiado. Tiradentes e Frei Caneca são tidos como heróis nacionais.

Este comparativo – quase caricato – que mostra bem como a Lei da Ficha Limpa não é lá essas coisas é do jornalista Maurício Dias em CartaCapital edição 718. Na História exemplos como esses não faltam.

Esta cultura do ficha isso, ficha aquilo está judicializando ainda mais a política. O Tribunal Superior Eleitoral – TSE, se dá ao “luxo” de julgar as escolhas do povo. O povo elege seus representantes e depois o Tribunal decide se aquela ou essa pessoa poderia ou não se candidatar.

Para quê eleições, então?

É fato que a Justiça eleitoral trabalha com juízes “emprestados” e este é um dos problemas a serem resolvidos. A Justiça eleitoral precisa ter juízes próprios. Isto daria mais celeridade aos julgamentos dos processos. Porém, enquanto não há essa condição, é com o que se tem que ela deve funcionar, e funcionar bem.

A Justiça eleitoral só não pode ser maior que a vontade popular. Mesmo, reconheço, havendo métodos nada “republicanos” para se conquistar votos. Tudo tendo como paradigma o financiamento privado de campanhas eleitorais.

Agora some tudo isso à intencional despolitização da sociedade promovida especialmente pela grande mídia. O que temos são campanhas onde não se debatem ideias e sim contemplam-se acusações das mais variadas e uma pirotecnia midiática que transforma maxixe em petit gatot. E sendo o Poder Judiciário é o mais político de todos, é óbvio que dará uma “forcinha” aos seus candidatos ou partidos preferidos.

Julgamentos próximos às datas eleitorais ou magistrados usando declarações de efeito ou mesmo quando proferem seus votos nos julgamentos, estão entre as técnicas mais usadas. Qualquer semelhança com fatos reais não é mera coincidência.

Até parece que o Poder Judiciário é neutro, sem interesses políticos ou econômicos. até parece que só quer julgar os autos dos processos pura e simplesmente sob a íncolume santidade da verdade. Logo vão dizer que Papai Noel existe de verdade.

A quem interessa que não de debatam concepções de sociedade, de mundo, visões de futuro e de como resolver os problemas que nos cercam?

A Lei da Ficha Limpa deve ser mais um instrumento para termos sempre o melhor debate possível sobre o que nos cerca, mas nem de longe ela é usada para tal. Serve como instrumento de empoderamento do Judiciário e como pauta despolitizante da imprensa em geral. Criou-se o clima da condenação a qualquer custo.

Nesse ambiente, qualquer pessoa que for inocentada, passa-se o clima de impunidade. Daí a ferocidade por condenações de qualquer maneira que vemos ultimamente Brasil a fora. Impunidade não é somente culpado não ser condenado, é também inocente ser condenado.

Não basta sequer parecer que alguém fez alguma coisa, é preciso provar. Se não se prova, para o Estado se é inocente. Assim dita a regra básica do Estado Democrático de Direito: a presunção de inocência. O uso político da Ficha Limpa vai na contra mão dessa lógica.

O pior disso tudo é que tem tanta “peça boa” ficha limpa por aí que faz pau de galinheiro parecer cristal de realeza de tão sujos.



Um comentário:

Marcio Tavares disse...

Cadu você disse tudo e mais alguma coisa no artigo. Meus parabéns. Tomei até a liberdade de postar no meu bloguinho com o devido crédito a você. Abração.