Os mais
antigos se lembram de como os debates políticos eram acalorados,
recheados de – parece redundância – política. De uns anos para
cá o centro do debate político tornou-se a ficha corrida das
pessoas. Se elas têm ou não processos e se os têm, se foram
condenadas. Não importa tipo, nem circunstância. O debate de
ideias, de concepções, de visões de mundo e sociedade parece que
se tornou conteúdo de livro de História.
A chamada
Lei da Ficha Limpa (PLP 518/2009), fruto de ampla mobilização social e que
serviria para regulamentar outras leis sobre as condutas de
postulantes a cargos eletivos, deveria ser um avanço também no
debate político. Mas infelizmente não é isso que acontece. Agora
ninguém mais parece defender alguma coisa. Apenas se afirma e
reafirma ser ficha limpa, e pronto.
Esta Lei
que em certa medida é um avanço na regra eleitoral no país, é
usada como base de um discurso extremamente alienador e antipolítico.
É o centro do debate sem debate. É mal usada e no que concerne ao
centro da corrupção no Brasil em nada, ou quase nada, tem efeito
real.
O centro
da corrupção no Brasil não se o candidato A ou B responde a
processos judiciais ou se já foi condenado em órgão colegiado da
Justiça. O centro da corrupção no Brasil é o financiamento
privado de campanha. Mas esse tema pouca gente quer debater.
Como é
visto em alguns memes que fazem referência ao Plínio de Arruda
Sampaio, candidato do PSOL à presidência nas eleições de 2010 (Plínio Comenta),
“empresa privada não financia campanha eleitoral, faz
investimento”. Não poderia ser mais certeiro.
Só para
se ter uma ideia de como essa Lei não é nada do que aparenta ser,
Tiradentes ou Frei Caneca se tivessem sobrevivido às punições a que
foram imputados e ainda estivessem entre nós, não poderiam ser
candidatos. Foram condenados por órgão colegiado. Tiradentes e Frei
Caneca são tidos como heróis nacionais.
Este
comparativo – quase caricato – que mostra bem como a Lei da Ficha
Limpa não é lá essas coisas é do jornalista Maurício Dias em
CartaCapital edição 718. Na História exemplos como esses não
faltam.
Esta
cultura do ficha isso, ficha aquilo está judicializando ainda mais a política. O Tribunal Superior
Eleitoral – TSE, se dá ao “luxo” de julgar as escolhas do
povo. O povo elege seus representantes e depois o Tribunal decide se
aquela ou essa pessoa poderia ou não se candidatar.
Para quê
eleições, então?
É fato
que a Justiça eleitoral trabalha com juízes “emprestados” e
este é um dos problemas a serem resolvidos. A Justiça eleitoral
precisa ter juízes próprios. Isto daria mais celeridade aos
julgamentos dos processos. Porém, enquanto não há essa condição,
é com o que se tem que ela deve funcionar, e funcionar bem.
A Justiça
eleitoral só não pode ser maior que a vontade popular. Mesmo,
reconheço, havendo métodos nada “republicanos” para se
conquistar votos. Tudo tendo como paradigma o financiamento privado
de campanhas eleitorais.
Agora
some tudo isso à intencional despolitização da sociedade promovida
especialmente pela grande mídia. O que temos são campanhas onde não
se debatem ideias e sim contemplam-se acusações das mais variadas e uma pirotecnia midiática que transforma maxixe em petit gatot.
E sendo o Poder Judiciário é o mais político de todos, é óbvio
que dará uma “forcinha” aos seus candidatos ou partidos
preferidos.
Julgamentos próximos às datas eleitorais ou magistrados usando
declarações de efeito ou mesmo quando proferem seus votos nos
julgamentos, estão entre as técnicas mais usadas. Qualquer semelhança com fatos reais não é mera
coincidência.
Até parece que o Poder Judiciário é neutro, sem interesses políticos ou econômicos. até parece que só quer julgar os autos dos processos pura e simplesmente sob a íncolume santidade da verdade. Logo vão dizer que Papai Noel existe de verdade.
A quem
interessa que não de debatam concepções de sociedade, de mundo,
visões de futuro e de como resolver os problemas que nos cercam?
A Lei da
Ficha Limpa deve ser mais um instrumento para termos sempre o melhor
debate possível sobre o que nos cerca, mas nem de longe ela é usada
para tal. Serve como instrumento de empoderamento do Judiciário e
como pauta despolitizante da imprensa em geral. Criou-se o clima da
condenação a qualquer custo.
Nesse
ambiente, qualquer pessoa que for inocentada, passa-se o clima de
impunidade. Daí a ferocidade por condenações de qualquer maneira
que vemos ultimamente Brasil a fora. Impunidade não é somente culpado
não ser condenado, é também inocente ser condenado.
Não
basta sequer parecer que alguém fez alguma coisa, é preciso provar.
Se não se prova, para o Estado se é inocente. Assim dita a
regra básica do Estado Democrático de Direito: a presunção de
inocência. O uso político da Ficha Limpa vai na contra mão dessa
lógica.
O pior
disso tudo é que tem tanta “peça boa” ficha limpa por aí que
faz pau de galinheiro parecer cristal de realeza de tão sujos.
Um comentário:
Cadu você disse tudo e mais alguma coisa no artigo. Meus parabéns. Tomei até a liberdade de postar no meu bloguinho com o devido crédito a você. Abração.
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