Algo
de muito errado está acontecendo com a grande mídia no Brasil.
Enquanto
empresários da mídia impressa ou concessionários do serviço público de
radiodifusão – e seus porta-vozes – reafirmam, com certa arrogância, seu
insubstituível papel de fiscalizadores da coisa (res)pública, o país toma
conhecimento, através do trabalho da Polícia Federal, de evidências do
envolvimento direto da própria mídia com os crimes que está a divulgar.
Por Venício A. de Lima*
E
mais: a solidariedade corporativa se manifesta de forma explícita. Por parte de
empresas de mídia, quando se recusam a colocar setores de seu negócio entre os
suspeitos da prática de crimes, violando assim o direito à informação do
cidadão e seu dever (dela, mídia) de informar. Por parte de jornalistas, quando
alegam estar sujeitos a eventuais relacionamentos “de boa fé” com “fontes”
criminosas no exercício profissional do chamado jornalismo investigativo.
Será
que – na nossa história política recente
– o recurso retórico ao papel de fiscalizadora da coisa (res)pública não
estaria servindo de blindagem (para usar um termo de agrado da grande mídia) à
indisfarçável partidarização da grande mídia e também, mais do que isso, de
disfarce para crimes praticados em nome do jornalismo investigativo?
Imprensa
partidária
Historiadores
da imprensa periódica nos países onde ela primeiro floresceu, sobretudo
Inglaterra, França e Estados Unidos, concordam que ela – ou o de mais parecido
com aquilo que hoje entendemos como tal – nasceu vinculada à política e aos
partidos políticos. Numa segunda fase, transformou-se em empresa comercial,
financiada por anunciantes e leitores. No Brasil, as circunstâncias históricas
certamente nos diferenciam dos países citados, mas não há distinção em relação
às origens políticas e partidárias da imprensa nativa.
Foi
Antonio Gramsci, referindo-se à imprensa italiana do início do século 20, quem
primeiro chamou a atenção para o fato de que os jornais se transformaram nos
verdadeiros partidos políticos. Muitos anos depois, entre nós, Octavio Ianni
chamou a mídia de “o Príncipe eletrônico”.
Apesar
disso, a imprensa que passa a se autodenominar “independente” é aquela que é
financiada, sobretudo, pelos anunciantes e, ao longo do tempo, reivindica sua
legitimação no princípio liberal do “mercado livre de ideias”, externo e/ou
interno à própria imprensa.
No
Brasil dos nossos dias, até mesmo os empresários da grande mídia admitem seu
caráter partidário, como, aliás, já afirmou publicamente a presidente da ANJ.
Jornalismo
investigativo
O
chamado “jornalismo investigativo” acabou levando a grande mídia a disputar
diretamente a legitimidade da representação do interesse público, em relação
tanto ao papel da Justiça – investigar, denunciar, julgar, condenar e,
eventualmente, perdoar – como à política institucionalizada de expressão da “opinião
pública”, que cabe aos políticos profissionais eleitos e com cargo nos
Executivos e nos Parlamentos.
Ademais,
o assumido papel de oposição partidária parece fazer com que setores da grande
mídia não diferenciem “jornalismo investigativo” – e/ou relação com “fontes” –
do exercício de uma prática profissional que escorrega perigosamente para o
crime, sem nenhum limite ético e/ou legal.
Jornalismo
investigativo e cumplicidade com práticas criminosas podem estar sendo
confundidos. Vale, portanto, lembrar a afirmação de Paul Virilio: “A mídia é o
único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo
em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra”.
Parece
que, lamentavelmente, atingimos a esse perigoso e assustador limite no Brasil.
*É professor titular de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado) e autor, entre outros livros, de Regulação das
Comunicações – História, Poder e Direitos, Paulus, 201
**Retirado do
Site da Revista Teoria&Debate – clique aqui
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