Renan deu um drible em Arthur Lira (Imagem de IA) |
Em 19 de setembro, o senador Renan Calheiros (MDB) deu um drible no deputado federal Artur Lira (PP), todo-poderoso líder do centrão em Brasília, ao pautar na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado um projeto de 2019 que trata de isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais.
Ao anunciar que daria celeridade ao projeto, Renan Calheiros impôs pressão em Hugo Motta (Republicanos), presidente da Câmara dos Deputados, por não pautar a proposta do governo Lula (PT), dando lugar a agendas de interesse corporativo, seja do centrão, seja da extrema-direita.
Se referindo a uma pesquisa do instituto Quaest divulgada recentemente, o senador emedebista praticamente desenhou a postura – nada republicana, digamos assim – de Hugo Motta e, também, de Arthur Lira, relator do projeto na Câmara dos Deputados e que tem enorme gerência política entre seus pares.
“Pesquisas mostram que 85% da população apoia a isenção. Só é contra aqueles que já estão isentos. Lamentavelmente, essa proposta [a do governo] tem sido usada como moeda de troca para se colocar outros temas na pauta do Congresso Nacional”, afirmou Renan Calheiros no dia 19 de setembro.
Com a medida, Renan Calheiros além de surfar a onda de insatisfação com a agenda da Câmara dos Deputados, trouxe para si um presente dado a Arthur Lira pelo presidente Lula: ser o relator da isenção do Imposto de Renda, medida que beneficia cerca de 30 milhões de brasileiros.
Segundo o IBGE, a renda média dos alagoanos foi de R$ 2.160 em 2024. Ou seja, podemos afirmar que a maioria esmagadora dos alagoanos serão beneficiados com a isenção do Imposto de Renda. Logo, para alguém que deseja ser eleito senador, deixar escapar uma pauta como essa não é muito producente.
Mas Arthur Lira parece ter ignorado isso e preferiu não fazer o jogo de pressão junto a seus pares para que o projeto ao qual relatou fosse votado na Câmara dos Deputados. Ele preferiu usar – ou deixar que fosse – como moeda de troca, como barganha em mais um caso que confirma não ser possível lutar contra a natureza do escorpião.
Tá certo que os 141 mil mais ricos do Brasil foram atrás de garantir que passassem a ser taxados pela medida do governo Lula e isso garantiu alterações no texto para dar alguma proteção a quem é ninado pelo Estado brasileiro desde sempre.
Só que se todos esses 141 mil extremamente ricos do país votassem em Alagoas e todos desse um de seus votos em Arthur Lira, ele não teria votos para ser eleito ao Senado. A título de comparação, em 2018, Rodrigo Cunha, atual vice-prefeito de Maceió, então no PSDB obteve 895.738 votos; Renan Calheiros, 621.562 votos.
Entre agradar agora um faniquito elitista e ter instrumento narrativo para ampliar eleitorado para além da estrutura política que tem, já que vai precisar porque vai disputar uma eleição majoritária, Arthur Lira escolheu errado, piscou e tomou um drible de Renan.
Após o anúncio que a CAE do Senado pautaria a isenção do Imposto de Renda, em outro projeto, Arthur Lira começou a fazer uso de sua influência na Câmara dos Deputados. Resultado: ambos os projetos serão votados, ao menos aponta o noticiário, no mesmo dia: nesta quarta-feira, 24 de setembro.
Contudo, Arthur Lira ainda segue buscando formas de proteção aos endinheirados e mantendo retórica de apontar dificuldades para vender facilidades. Na noite de 22 de setembro, num jantar promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), ele afirmou que o projeto de isenção de Imposto de Renda tem duas partes, sendo uma um “filé” e outra “osso”. Por “osso”, entenda taxar os super-ricos.
É certo que, objetivamente, a situação de Arthur Lira para o Senado em Alagoas é relativamente – se não, muito – confortável. Votaremos em dois candidatos e, por razões óbvias, ele e Renan são francos favoritos. Mesmo assim, a troca de mais de um milhão de eleitores por 141 mil ricaços não me parece muito inteligente em médio prazo, até porque a taxação dos comedores de caviar não os deixará nem um centavo mais pobres e nenhum deles vai querer inimizade com alguém tão articulado em Brasília.
Agora, não importa mais qual projeto verá a luz do dia, se o do Senado, de autoria do senador Eduardo Braga (MDB) ou do Planalto. Mas ninguém que tem acompanhado essa disputa, minimamente, poderá dizer que a isenção do Imposto de Renda – dada a sequência de pautas que o centrão na Câmara dos Deputados preferiu pôr para andar – não foi obra do senador Renan Calheiros.
Diga-se o que quiser, goste-se ou não dele, mas o senador Renan Calheiros deu um drible em Arthur Lira digno dos camisas 10 clássicos.
SEIS DIFERENÇAS ENTRE O PROJETO DE ISENÇÃO DO IR NO SENADO, RELATADO POR RENAN CALHEIROS, E NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, RELATADO POR ARTHUR LIRA
1. Faixa de isenção
• Senado: isenção integral até R\$ 5.000.
• Câmara: também prevê isenção até R\$ 5.000.
2. Faixa de transição / redução parcial
• Senado: não detalha faixa intermediária acima de R$ 5.000 (foco na isenção até esse limite).
• Câmara: cria faixa de redução parcial para quem ganha de R$ 5.000 a R$ 7.350.
3. Compensação fiscal
• Senado: inclui mecanismos adicionais, como um programa especial de renegociação de dívidas tributárias para baixa renda (PERT) e compensação das perdas de estados e municípios por até 10 anos.
• Câmara: mantém contrapartida via alíquotas extras sobre os mais ricos, mas não detalha compensação tão longa para estados/municípios.
4. Alíquotas para alta renda
• Senado: discussão sobre escalonamento progressivo, mas foco maior em compensação para entes federativos.
• Câmara: prevê alíquota adicional de até 10% para rendas muito altas.
5. Detalhes técnicos
• Senado: adiciona emendas para fortalecer controle fiscal, evitar burla na aplicação e garantir repasses a estados/municípios.
• Câmara: ainda em aberto — Lira reconheceu que metade do projeto é “filé” e a outra metade “osso”, dependendo de ajustes técnicos e emendas.
6. Riscos políticos
• Senado: resistência de estados e municípios se compensações não forem vistas como suficientes.
• Câmara: disputa sobre quem paga a conta da renúncia fiscal (mais ricos não querem pagar nem um centavo).
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