terça-feira, 18 de novembro de 2025

A natureza do escorpião militar brasileiro e o ataque a profissionais da imprensa alagoana

Tal qual 1964 (Imagem gerada por IA)

O coronel da reserva do Exército Márcio Saldanha Walker foi convidado pela Polícia Militar de Alagoas para palestrar no Curso Básico de Operações Psicológicas, realizado na sexta-feira (14). Até aí, tudo bem, militar usando militar como referência é quase como afirmar que a água é molhada. Mas o coronel do Exército explicitou a natureza do escorpião dos militares brasileiros: a aversão à contestação e a profissionais de imprensa.

Evidente que não são todos os militares, mas essa lógica do inimigo interno é algo da natureza das organizações militares no Brasil, praticamente, desde sempre.

Walker afirmou que profissionais de imprensa trabalham para o narcotráfico e que os militares/forças de segurança deveriam inquirir jornalistas e até mapear a vida privada destes profissionais.

Esse posicionamento só poderia ser mais 1964 se ele, coronel do Exército brasileiro, tivesse defendido sequestros e tortura. Será que no intervalo do cafezinho?…

A Secretaria de Segurança Pública (SSP), comandada pelo delegado aposentado Flávio Saraiva, e a Secretaria de Estado da Comunicação (Secom), comandada por Wendell Palhares, soltaram nota conjunta condenando a fala do palestrante “ilustre”.


“A fala não representa — em nenhuma circunstância — a posição do Governo. Nossa política é clara: defesa da liberdade de imprensa, valorização da atividade jornalística e diálogo permanente com os profissionais de comunicação. Por isso, repudiamos o teor da declaração”.

De fato, a postura do Governo do Estado tem ido no sentido oposto em relação à imprensa do propagado pelo militar saudosista da ditadura, inclusive com a recriação do Conselho Estadual de Comunicação.

Até o momento em que escrevo estas linhas, a PM de Alagoas não se manifestou sobre o “incidente”. E até acho que não vai, quando, na verdade, deveria ter interrompido a “palestra” no momento em que Walker começou a dizer seus impropérios.

O Sindicato dos Jornalistas de Alagoas (Sindjornal) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também soltaram nota na qual destacam o flerte com a ditadura civil-militar de 1964.

“Para o Sindjornal, a posição do consultor, configura grave ameaça ao estado democrático de direito, flerta com a volta da ditadura, que no Brasil teve participação ativa de integrantes do Exército, e onde a imprensa, para atender aos caprichos de ditadores chegou a publicar receitas de bolo em jornais, para não denunciar os excessos do Estado e nem ouvir os dois lados do fato, premissa primordial do bom jornalismo”. (A íntegra da nota está ao final do texto)

O caso só reforça a visão de que boa parte dos militares – aqui no CPF – e das próprias organizações militares têm da sociedade civil. Ao menos desde a fundação da República, os militares se julgam e atuam como tuteladores da vida civil, como se fossem uma nata social sendo obrigada a conviver com pessoas comuns, com professores, enfermeiros, motoristas, pedreiros, padres, pastores, garçons, cozinheiros, domésticos, vendedores, caixas de supermercado, empresários, bancários etc. E também jornalistas, essa “praga” que vive a futucar as práticas que gente que se julga suprassumo vive a esconder.

E não, aqui não é uma ode à imprensa, que erra – e erra muito – na labuta do fornecer informação à população. Até porque, e é importante destacar, imprensa é empresa e como tal tem seus interesses financeiros e políticos. Jornalista não imprensa – apesar de alguns se acharem como tal –, jornalista é trabalhador que vende sua mão de obra.

A fala de Walker e o não encerramento imediato da palestra – nem mesmo uma nota por parte da PM (ao menos até o momento em que escrevo este artigo) – só coadunam com a natureza de quem jamais se sentiu parte de seu povo, que jamais respeitou a vontade popular.

Mas também mostra duas coisas: que o golpismo e o autoritarismo jamais deixaram a caserna e que a ficamos atentos ou poderemos ser engolidos por essa gente qualquer dia desses mais adiante.


NOTA DO SINDJORNAL E DA FENAJ


Nota de repúdio ao coronel da reserva do Exército Márcio Saldanha Walker

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas e a Federação Nacional dos Jornalistas repudiam com veemência a insinuação que buscou associar o trabalho da imprensa alagoana com a narcocultura. Reportagens da Mídia Caeté, do Extra, G1 foram irresponsavelmente citadas como propagandas a favor do crime.

O coronel da reserva do Exército, Márcio Saldanha Walker, em um evento promovido pela Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, na última sexta-feira, classificou levianamente o trabalho de dezenas de profissionais do jornalismo como “ameaça” a instituição.

Walker ainda afirmou que seria necessário “chamar o repórter” para inquisição ou “explorar a vida” de jornalistas alagoanos, e que desistiu afirmando que a inteligência da SSP faria esse trabalho.

Durante o curso, várias matérias, de diversos veículos alagoanos, foram citadas, como exemplos de ameaças ao trabalho policial e que essa pesquisa foi realizada em parceria com a SSP, a quem caberia identificar os profissionais.

Para o Sindjornal, a posição do consultor, configura grave ameaça ao estado democrático de direito, flerta com a volta da ditadura, que no Brasil teve participação ativa de integrantes do Exército, e onde a imprensa, para atender aos caprichos de ditadores chegou a publicar receitas de bolo em jornais, para não denunciar os excessos do Estado e nem ouvir os dois lados do fato, premissa primordial do bom jornalismo.

O Sindjornal também repudia a criação de dossiês, devassando a vida pessoal dos jornalistas que atuam em Alagoas. Um risco à vida desses profissionais e de seus familiares, que assim como as forças de segurança, precisam ser reconhecidos como aliados da sociedade, da democracia e da cidadania, uma vez que lutam para reduzir as distorções sociais.


SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DE ALAGOAS

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS – FENAJ


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